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A beleza do futebol está no imponderável

O futebol é um esporte diferente, talvez seja o único que desafie os paradigmas da razão. No vôlei, basquete, handebol ou futebol americano, geralmente a agremiação com melhores jogadores, melhores estatísticas e melhor aproveitamento técnico vence. No bom e velho esporte bretão, as coisas nem sempre funcionam com tal clareza.

Em alguns casos, um time com técnica mais frágil, mas com alguma disciplina tática pode vencer uma equipe com estatísticas dominantes. Posso dar dois exemplos didáticos, coincidentemente de dois times azuis. No Brasil, o caso do São Caetano entre 2000 e 2002 fala por si só: foi vice-campeão brasileiro por dois anos consecutivos e vice-campeão da Libertadores, derrubando pelo caminho adversários mais capazes, com estatísticas mais fortes, inclusive meu Galo, em 2001, naquela semifinal emblemática do dilúvio. Já na Inglaterra, a temporada de 2015/2016 trouxe esse Leicester, equipe com jogo defensivo impecável e que vem sustentando verdadeiros bombardeios desferidos pelos adversários, e consequentemente arrancando vitórias surpreendentes através de estocadas pontuais. O futebol, meus caros, é belo por sua imprevisibilidade. É um esporte democrático, no qual o inferior tecnicamente é capaz de fazer o que ninguém espera.

Após todo este preâmbulo, um leitor desavisado pode vir a perguntar: E o que isso tem a ver com o Atlético? Respondo de prontidão. Esta foi à tônica do superclássico de domingo, com derrota alvinegra por 1x0 em pleno Horto. Conforme as estatísticas abaixo, disponibilizadas pelo jornalista Mauro Cesar Pereira da ESPN, o Galo teve maior posse de bola, finalizou mais, recebeu mais faltas e desferiu menos chutões.


(Foto: Reprodução/@MauroCezarESPN)


Contudo, é de fato infantil se deixar levar pela frieza dos números. Números são estáticos e o futebol é dinâmico. E, nesse quesito, o Atlético foi igualmente superior.

Diego Aguirre lançou seu time no tradicional 4-2-3-1, com Uilson, Rocha, Tiago, L.Silva, Carlos Cesar, Carioca, Urso, Luan pela direita, Robinho centralizado, Hyuri pela esquerda (Pablo) e Lucas Pratto. Pelo menos quatro titulares incontestáveis de fora - Victor, Erazo, Douglas Santos e Cazares -, junto com outras quatro importantes opções de banco de reservas - Giovanni, Mansur, Dátolo e Clayton.

Já o Cruzeiro entrou no 4-3-3, com Fábio, Fabiano, Bruno Rodrigo, Manuel e S.Mino (Fabrício), Romero, Henrique, Cabral (Gino), Allano (Pisano), Elber e R.Silva. Três titulares incontestáveis não jogaram: Alisson, Willian e De Arrascaeta, além de Dedé e Maike, já fora de combate há mais tempo.

A partida começou com as equipes apresentando duas propostas de jogo muito claras. O Atlético procurava imprimir um ritmo mais forte, marcação no campo ofensivo, rapidez no passe e constante movimentação. Já o Cruzeiro, ao contrário estava postado e a cada vez que recuperava a bola, procurava cadenciar as jogadas, principalmente sob a batuta do bom Ariel Cabral.

Notadamente, no desenvolver do primeiro tempo a coordenação do time de Diego Aguirre prevaleceu e algumas chances apareceram nos pés de Robinho, Prato e Luan, principalmente em roubadas de bola no campo de ataque. O Cruzeiro, por sua vez, fazia um jogo de trincheiras como no futebol americano, avançava a cada faltinha (algumas bem contestáveis diga-se). E nessas bolas paradas os azuis conseguiram ser mais perigosos (faltas, escanteios e bolas alçadas na área - importante característica que vem desde Marcelo Oliveira e permaneceu na Toca). Porém em termos de criação de jogadas, como disse, à exceção de Ariel Cabral, o Cruzeiro era bem atabalhoado, com erros infantis inclusive, sempre apelando a chutões na direção do trio ofensivo. Quando o time azul tentava sair com os laterais era um caos, de fato concordo com alguns bons amigos celestes: Mino e Fabiano não são nada confiáveis.

O zero a zero ao final da primeira etapa já era um resultado injusto e todos no estádio tinham a sensação que o gol era uma questão de tempo, dado o volume de jogo tanto ofensivo quanto defensivo imposto pelo Atlético.

(Foto: Hoje em Dia)
O segundo tempo começou com duas alterações táticas importantes. No Atlético, Aguirre mudou o posicionamento do trio de meias: Luan ficou centralizado, Robinho caiu pela esquerda e Hyuri foi deslocado para direita. A mudança fazia muito sentido visto que Hyuri não vinha bem pela esquerda, não aproveitava a limitação do Fabiano, enquanto o Luan poderia ser mais efetivo por dentro, visto que é um jogador muito mais dinâmico que Robinho, que de fato é um ótimo carregador de bola, mas para jogar por dentro é preciso de alguém que passe a pelota mais rápido (Que falta fez Juan Cazares).

Já no Cruzeiro, Henrique foi substituído por Gino, era uma tentativa do técnico Deivid em qualificar a saída de bola.  No segundo tempo, o Cruzeiro esboçou a famosa "saída de três" com Gino se alinhando aos zagueiros, e os dois laterais avançando com o intuito de dar mais amplitude à saída, entretanto, era notória a falta de treino.  Os movimentos não foram muito bem coordenados, obrigando o time a apelar com insistência aos chutões.

Do início do segundo tempo, até o momento do gol do Cruzeiro o que se viu no Horto foi um bombardeio, grandes defesas do goleiro Fábio. Talvez tenha sido o jogo que a marcação pressão do Atlético tenha melhor funcionado. Como grande apreciador do jogo tático que sou, fiquei feliz e ao mesmo tempo surpreendido com a desenvoltura da execução dos movimentos. O time evoluiu bastante em relação ao começo da temporada, e principalmente em comparação ao que foi apresentado no vice-campeonato brasileiro (Enquanto Muricy foi à Barcelona ver o que Luis Henrique fazia com seus três ET's, Aguirre foi á Europa observar Diego Simeone e Maximiliano Allegri, comandantes dos dois times mais bem treinados do velho continente - nosso xará de Madri e a Velha Senhora de Turim, um estágio muito mais consistente do ponto de vista profissional).

Porém no momento seguinte, alguns dos clichês do futebol se fizeram presentes: "quem não faz leva", "a bola pune", etc... Ironicamente um chutão (recurso técnico frequentemente utilizado em times mal treinados, palmeirenses podem dissertar sobre, dada experiência recente) partiu do campo de defesa e achou o atacante Elber livre, que ajudado por Marcos Rocha (errou o tempo da bola), encontrou espaço para ajeitar, pentear, tirar uma selfie e disparar um chute sem muita potência ao gol, que infelizmente o goleiro Uilson não foi capaz de segurar firme, e por conta da falta de ritmo de jogo (não jogava entre os titulares há mais de ano) não tomou a melhor decisão, e acabou rebatendo a bola nos pés de Rafael Silva, que só teve o trabalho de empurrar a pelota às redes.

Após o gol, o Galo sentiu o baque por alguns instantes, mas voltou ao bombardeio nos 10 minutos finais. Novamente com o goleiro Fábio operando milagres, em especial duas bolas que caíram para o atacante Robinho - uma cabeçada a queima roupa, e um chute colocado da entrada da área.

(Foto: Hoje em Dia)
O jogo terminou com vitória celeste em nossa casa, porém em uma situação especial. Os azuis tinham uma proposta claramente defensiva, o técnico Deivid, ciente das limitações do seu time, jogou na defesa, esperando uma única bola que acabou aparecendo. Algo muito distante do Cruzeiro de Tostão, Joãozinho, Alex e, recentemente, de Everton Ribeiro, times impetuosos, bem coordenados, de toques rápidos e DNA ofensivo. Times que eu, atleticano, admirei. Esse Cruzeiro que vi hoje, mais parecia um São Caetano.

Não fiquei triste, muito menos decepcionado com o resultado. Apesar da derrota, o futebol apresentado foi vistoso, de um time que tem tudo para ser vencedor. O importante, amigos leitores, é que Galo está no caminho certo para os desafios realmente importantes no restante da temporada.

OBS 1 – Novamente o menino Uilson precisa mais do que nunca de apoio. Tem muita qualidade, é o futuro do Atlético. O gol de hoje foi uma fatalidade.

OBS 2 - A arbitragem foi confusa, muito mais pelas faltas invertidas do que por lances capitais (não entendi o critério do árbitro). Escutei sobre o suposto pênalti no Pratto, mas sinceramente do estádio não consegui ter muita clareza no empurrão do Fabrício, logo não condeno o soprador.

OBS 3 - Faço das palavras do nosso comandante as minhas: "Estou muito feliz com o time, ele não me preocupa. Estávamos desfalcados e jogamos melhor. Nosso grupo é muito bom e estou tranquilo".

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