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Lembranças da quarentena: 9 anos do show do gauchinho


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O melhor jogo dos últimos 9 anos. Hoje fazem 9 anos daquele jogo maluco. Inacreditável, se eu não tivesse visto. A expectativa era grande, mas nada comparável ao que ele realmente foi.

A capacidade desse jogo de ser histórico e produzir lances monumentais foi incrível. Existem jogos no futebol em que nada é lembrável. São absolutamente esquecíveis, talvez devessem deixar de existir. Enquanto isso, alguns jogos tinham o dom de concentrar tudo de melhor.

 Em 2011 o Flamengo de Ronaldinho Gaúcho fazia um belo primeiro turno comandado pelo incrível craque veterano de um futebol artístico, ousado e alegre. Mas no Santos também surgia uma força da natureza no talento de Neymar. Era o Santos campeão da Libertadores. Ronaldinho contra Neymar. Um jogaço.

Eu estava visitando meus avós em Recife. Passei o dia nervoso sem saber se o jogo passaria. Afinal, estávamos no Nordeste e havia o risco de ser transmitido um jogo local. Ninguém na casa gostava muito de futebol e sabia me informar qual jogo passaria. A criança nervosa vibrou de alegria quando a novela da vovó acabou e o jogo contra o Santos era anunciado.

Com vinte minutos eu já me perguntava o porquê daquela ansiedade toda. Borges tinha feito dois e Neymar fez o gol mais lindo da sua carreira, eleito o mais bonito do ano pela FIFA. Pegou a bola na lateral e passou com toque de letra no meio de dois marcadores. Tabelou com Borges e recebeu na frente de Angelim. Deu um drible tão espetacular que não entendi ele até hoje. Deu toque categórico na saída de Felipe e fez 3x0. Era sacanagem o que jogava.

O pior é que o Flamengo jogava bem. Com 1x0 Ronaldinho já tinha obrigado o goleiro Rafael a fazer duas lindas defesas. Com 2x0 Deivid perdeu gol absolutamente sem goleiro, debaixo da trave, quase tão incrível quanto um outro perdido contra o Vasco meses antes. Devia ser algo sobrenatural estar tomando o 3x0.

Mas não durou muito. Aos 28’, Luiz Antônio cruzou e o goleiro Rafael entregou no pé de Ronaldinho. O camisa dez nem comemorou e apenas trouxe ela de volta para o centro do campo. Três minutos depois Léo Moura fez mais um de seus cruzamentos perfeitos e Thiago Neves testou com tudo. Que jogo maluco! Estávamos de novo perto.

E o time não parava de atacar. Thiago Neves quase fez de novo em tabela com Ronaldinho. Enquanto isso, Ganso meteu na trave do outro lado. Era um jogo eletrizante e Neymar estava possuído. Disparou pela direita e Williams fez pênalti tolo nele.

 Quando Elano foi para o pênalti, eu esperava o balde de água fria na reação rubro-negra. Felipe pegou, eu vibrei sozinho e com um grito acordei minha avó. Quando ele começou a fazer embaixadinhas, minha gargalhada a fez achar que eu estava louco. No lance seguinte, Deivid deu cabeçada improvável na primeira trave e empatou. Que jogo maluco!

Eu na sala da casa dos meus avôs estava ensandecido. Não tinha WhatsApp na época, e minha vibração compartilhada era gritar na janela. Mas sozinho, em um lugar que eu não conhecia, não tinha sentido. O que estava acontecendo naquele jogo? Viraríamos? Perderíamos? Não dava para saber.

Aos 5’ do segundo tempo Neymar recebeu pela ponta e fez mais um. Santos 4x3 e eu já me desanimei todo de novo.

Mas o jogo era maluco e não parava. De um lado e de outro. Neymar fez jogadaça, bateu de fora e obrigou Felipe a fazer boa defesa. Deivid aproveitou cruzamento de Ronaldinho e Rafael defendeu. Depois Léo quase fez contra. Enquanto isso Ronaldinho esbanjava categoria no gramado. Quando recebeu de Williams na entrada área, driblou o primeiro com um toque de letra e passaria no meio de dois se não fosse pela falta.

O que veio a seguir ficaria na minha memória para sempre. Enquanto todos esperavam e se preocupavam com o ângulo, Ronaldinho foi genial mais uma vez e tocou de mansinho, calmo, por debaixo da barreira. A narração de Luís Roberto ficou para sempre na minha cabeça.

- RONALDINHO GAÚCHO! E ESSE GOL LEVA GRIFE DO GAÚCHINHO!

Ficava claro. Era Ronaldinho ou Neymar. Um dos dois resolveria o jogo. Um era pela classe e inteligência, já que o ritmo não era o mesmo dos tempos áureos. Enquanto isso, o garoto santista era imparável. Os ataques do Santos eram perigosos e vinham todos dele.

Mas não adiantou. Aos 35’, Thiago Neves esperou o momento exato para tocar. Da entrada da área Ronaldinho bateu e ela ainda desviou no zagueiro antes de entrar no cantinho. E acabou a luz na casa da minha avó.

Eu desesperado não sabia o que fazer. Acordei meu tio para ele me ajudar. Não tinha internet e não tinha rádio carioca que pegasse em Recife. Eu não sabia sequer se o terceiro gol de Ronaldinho tinha sido validado. E fiquei acordado por pelo menos uma hora sem saber até a luz voltar e os gols passarem de novo no fim do Jornal da Globo. Que angústia.

Mas não teve jeito. Flamengo 5x4 em um jogo que nem precisei dos últimos 15 minutos para lembrar para sempre.  Futebol com torcida e emoção assim, volta logo por favor. Mas só quando o coronga aliviar mais. Por enquanto, sobrevivamos da lembrança de jogos assim.


No mais,

Saudações Rubro-Negras


Gabriel Félix,

colunista do Flamengo para o Linha de Fundo


(Imagem: globoesporte.com)

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