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Momento difícil de estrear como colunista do Clube Náutico Capibaribe nessa querida página... Eliminados nos pênaltis pela Copa do Brasil, na nossa melhor atuação no ano, contra o Botafogo – RJ; eliminados da Copa do Nordeste levando um verdadeiro chocolate baiano (o cacau baiano é referência mundial, não esqueçam) na Fonte Nova, e com os resquícios de esperança de um título jogados no lixo depois da saída do campeonato pernambucano, contra o futuro vice, Santa Cruz. Ah sim! Já estreamos na Série B perdendo de 3x1 para o Avaí.
Mas, como não sou de
recusar desafios, topei assumir mais esta missão no meu tão corrido cotidiano
de professor. Nesse atípico ano, já recusei até propostas de trabalho, na
intenção de não inchar ainda mais a minha rotina, mas essa eu não pude deixar
de lado. Escrever sobre o meu time do coração é um privilégio para poucos e
espero estar à altura desse clube centenário, idolatrado, vivo e tradicional no
cenário nacional. O Náutico não é brincadeira.
Apesar de honrado com o
convite, admito que estranhei a proposta: “você vai escrever uma coluna como
torcedor analista”. Enxergo uma clara contradição entre esses dois últimos
termos. Torcedor analista? Costumeiramente o analista é um sujeito racional,
frio, dotado de um olhar crítico, e relativamente externo ao que está
analisando. Já o torcedor é aquele que vive tomado por pulsões, impulsos,
desejos, paixão, raiva, gozo (raramente, convenhamos), e completamente inserido
no seu alvo amado, no nosso caso, nosso time de futebol. O torcedor é aquela
figura que durante pouco mais de 90 minutos esquece de quem ele é nos outros 10
mil minutos que formam sua semana, e é tomado pelas forças mais profundas do
seu subconsciente.
Por isso, já deixo muito
claro ao amigo leitor, especialmente ao amigo alvirrubro: esta coluna não é
puramente de torcida, nem puramente de análise. Nem me pergunte qual dos dois
lados vai prevalecer, ou como identificar qual das metades está falando em cada
momento do texto. Vamos deixar fluir e torcer, debater, refletir, ler, analisar
o Náutico como a gente quiser, como a gente se sentir à vontade.
Depois de amargar dois
anos seguidos na Série C, o Náutico reencontrou o lugar onde ele passou a maior
parte do tempo nos últimos 20 anos: foram 13 participações na Segundona do
Brasileiro. Não estou aqui dizendo que somos torcedores de um time de ‘segunda
classe’, ao contrário, minha afirmação é de que não somos torcedores de um time
de ‘terceira classe’. Quanto a isso, estamos todos tranquilos. Não faz parte da
natureza do Náutico e do alvirrubro normalizar a terceira divisão, não faz
parte do nosso cotidiano. A gente sofreu muito, chorou, gritou e se revoltou. Tudo
isso porque é inaceitável ver o timbu no penúltimo degrau do inferno.
Mas, sejamos sensatos: o Náutico
é há duas décadas um time de série B, à despeito de uma boa temporada na série
A (2012). Afirmar que somos há duas décadas um time de série B não quer dizer
que este é nosso “lugar natural”, é dizer que este ESTÁ SENDO o nosso lugar. A
diferença entre o ‘ser’ e o ‘estar’ é clara. É a eterna disputa entre a
‘estática’ e a ‘mudança’. Essa distinção foi lançada há quase 2500 anos, por
dois filósofos gregos, sendo considerada a primeira treta pesada da história da
Filosofia. Um chamado Parmênides, que esbravejava que tudo no mundo é imutável,
que as coisas são do jeito que são, e o outro, Heráclito, não deixou barato, e gostava
de acreditar que as coisas estão aí para serem mudadas mesmo.
Eu sou profundamente
Heraclitiano, devo admitir. Pra mim nada deve parecer impossível de mudar. Então
te chamo para brevemente analisarmos o que ESTÁ sendo o Clube Náutico
Capibaribe nesses últimos anos.
O Náutico está mudando.
Fato incontestável por qualquer alvirrubro desse planeta. Está mudando porque
foi devolvido à sua torcida. Elegemos torcedores para a diretoria, temos nossa
casa de volta, estamos vendo nossa base progredir, estamos financeiramente
estabilizados e com as contas em dia. O Náutico cada vez mais passa a ser uma
opção real e interessante para jogadores, novas gerações de torcedores, e até
de patrocinadores.
Sobre esse processo de resgate do clube e do orgulho alvirrubro, recomendo o minidocumentário da TV TIMBA.
Foto por Léo Lemos
A questão é que nenhum
processo de mudança é linear, isso não existe. Se estamos numa “marcha rumo ao
progresso”, esta marcha também é repleta de freios, retrocessos e contratempos.
O chato é que existe também grandes chances dessa marcha ser interrompida e dar
lugar a uma bancarrota de fim incalculável. Essa é a situação do nosso rival, o
Sport, aparentemente.
É duro aceitar isso, mas
é a mais pura verdade. A tarefa do clube e de seus torcedores é não deixar que
um momento normal de retroação se transforme em um movimento duradouro. Veja o
nosso Náutico em 2011, vice-campeão da série B. Veja o nosso Náutico em 2012,
classificado para a Sulamericana. Veja o nosso Náutico em 2013: pior campanha
da história do clube na série A (à despeito de termos tido a maior receita da
história). O que foi 2013? Um momento de retrocesso ou o início de uma grande
acelerada de marcha ré?
Todo alvirrubro sabe a
resposta: 2013 foi o início de um declínio profundo no nosso clube. Apesar de
termos batido na trave duas vezes (2015 – 2016), não conseguimos recuperar os
holofotes no futebol nacional e pra piorar, caímos na lama imunda da série C.
Se 2013 não foi um mero
ponto de desaceleração, mas um gigantesco retrocedimento, o resgate do Náutico
data de 2018: a volta ao Caldeirão dos Aflitos, linda campanha para associação,
o primeiro título depois de quase 14 anos, no ano seguinte, o dramático acesso
à Série B e o primeiro título nacional de nossa história. Nenhum orgulho de ser
campeão da terceirona, total orgulho de nunca ter desistido do Náutico, e total
esperança que engatamos um novo processo de ascensão. Esse é o sentimento do
torcedor.
Ainda é cedo para avaliar
se 2020 é um momento de freio nessa subida, nessa evolução, ou se é mais um
trágico início de retrocesso. Particularmente acredito que todas as eliminações
que sofremos esse ano não servem de termômetro para afirmar que o Náutico está
em risco. A única competição que serve para essa leitura é a Segundona, e
justamente por isso me preocupa o nosso início.
Contra o Avaí, no dia 8
de agosto, um primeiro tempo patético, um segundo tempo razoável, e um time que
há meses não achou um padrão tático. A torcida, grata pelo seu trabalho até
2019, pede a cabeça de Dal Pozzo, com razão. É péssimo notar que a gratidão
pode dar espaço ao ódio por conta da insistência do comandante em apostar em
jogadores que não agradam a ninguém, em formar um esquema tático que não
engrena e subutiliza aquilo que temos de melhor. As várias declarações em que
ele afirma enxergar ‘grandes evoluções nos últimos dois jogos’ não convencem o
torcedor.
Em contrapartida, nossa
receita caiu brutalmente, e a gente não tá em um vídeo-game. Contratar e
demitir envolve muito custo, ainda mais em um ano que o dinheiro não vai
entrar. A minha esperança particular era de um público maior esse ano, até
porque saímos da lama. Cansei de ver os Aflitos ocupados por meros 3 ou 4 mil
torcedores, mas não vai dar, a realidade não permitiu.
Em um campeonato de tiro
longo, existir uma completa dependência de um ou poucos jogadores é atestado de
incompetência e de falta de inteligência para criar um time, uma equipe. Jean
Carlos é um verdadeiro craque, Thiago e Erick, apesar de um ano péssimo até agora,
não são ruins, não sejamos injustos, Kieza não tem mais 25 anos mas pode moer
uma cana, nossa zaga titular é segura (quando voltar a atuar), nossas laterais
são medianas, nossa volância é fraca. Considerando nossas limitações e
possibilidades, dá pra montar um time de verdade? Dá. Já deu tempo de ter
montado, inclusive. Ah, mas teve a pandemia, uma dúzia de jogadores no DM
(alguns por irresponsabilidade da comissão técnica, vale dizer). Pandemia teve
pra todo mundo, e a galera do DM já tá voltando devagarinho. E aí, o que vai
ser?
Será que Dal Pozzo, auxiliado pelo retorno de figuras importantes no elenco, que aos poucos vão deixando o nosso congestionado D.M, vai conseguir imprimir um estilo eficaz de jogo ao timbu? Será que continuaremos acreditando que rifar bolas pra frente e cruzar na área garantirá os nossos sonhados 64 pontos para acessarmos à elite do futebol nacional?
Creio que não. O Náutico
hoje é um time de meio de tabela, se tivermos sorte. Ou melhor, o Náutico ESTÁ
um time de meio de tabela. E que Heráclito esteja certo e nos próximos meses
meus olhos estejam brilhando novamente.
VAI PRA CIMA DELES, TIMBU!
Hexa saudações de João Pedro Holanda, alvirrubro colunista do Linha de Fundo. @joaopedroholanda
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