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Ser feliz e saber disso.

(Diário do Fla)


 Almoço pesado. 


Bermuda feia cheia de bolsos. Tênis ruim que aguenta o tranco.


Chave, carteira, celular, documento.


Manto.


Ingresso.


Minha última vez tinha sido dia 11 de março de 2020. Flamengo x Barcelona de Guayaquil. 3x0. O derradeiro encontro com aquele time mágico dono de um raio trator que transformava a estreia de Libertadores em um jogo de taça guanabara.

Eu era feliz, e sabia.


Mas não fazia ideia do que estava por vir.


Esse mesmo dia foi aquele em que a OMS decretou estado de pandemia. De lá pra cá, perdi a conta de quantas vezes senti falta do Maracanã. Dos vazios nas noites de quarta e nas tardes dos fins de semana sem sequer ver o Flamengo pela TV.


Ele ainda teve a coragem de me magoar. Muito. O jogo da volta do time a campo não teve transmissão para ninguém. Simplesmente aconteceu. Era como se ele nem precisasse de mim mais, como se nem me quisesse mais.


E claro que não foi só você. Foram 2 anos de tristezas, aflições, decepções, ruínas, mágoas, friezas e mortes. Seiscentas e Cinquenta Mil Mortes.


Eu cheguei a achar que nunca fosse voltar. Foram alguns dos piores anos para se estar vivo, todos sabemos disso. Ninguém passou a pandemia impune (a não ser o presidente). Todos sabemos os pesos e os traumas que carregamos e vamos continuar carregando.


Só que 2 anos também já deu tempo de sarar um pouco. Já foram uma, duas, três doses no braço, um trabalho heroico do SUS, vidas salvas por picadinhas no braço e por máscaras milagreiros.


Terça-feira eu e meu companheiro de arquibancada de sempre compramos o ingresso. Me arrepiei.


Hoje, Almoço pesado, bermuda feia cheia de bolsos, tênis ruim que aguenta o tranco, chave, carteira, celular, documento.


Manto. Ingresso.


Hino tocando no fone. Eu já abri a porta de casa chorando.


Cantoria no ônibus, o vermelho-preto tomando o entorno do maracanã, o encontro com o amigo. A coca e o churrasquinho, o passar pelos guardas, a revista, o "bom jogo" da pessoa na catraca.


Cada passo um arrepio. Tudo para poder entrar, tirar a máscara por alguns segundos só para gritar "MENGO!". Um dos mais altos, doloridos, sofridos e orgasmáticos possíveis. Não me importava com como seria. O negócio era estar ali.


Ver o gramado fez um filme passar na cabeça. Chorei pelos últimos dois anos. Chorei pelo tempo perdido, pelas pessoas perdidas, pelo sofrimento, pelos milhões de traumas. Pelo Flamengo que perdi.


Não que eu não tivesse acompanhado. 


Mas o Flamengo pra mim não é a TV. É o cimento da arquibancada. 


Parece papo de coach, eu sei. Mas o Flamengo é a vida. É o abraço, é o suor do calor de 35 graus da multidão, é a cerveja (ou mijo) que voa no meio do nada, é a palma em uníssono, é a ola, é a vida que grita felicidade da garganta da massa.


Foram 2 anos sem isso. 


Poucas frases na vida são tão cruéis quanto "a gente só valor a uma coisa quando perde ela". 


E eu que sempre soube? E que era feliz, e sabia?


Foram dois anos sem isso. 2 anos remoendo a tristeza de saber o que eu estava perdendo.


Ontem foi dia de ser feliz de novo, saboreando cada pico de flamenguismo com o gosto da certeza de que de novo eu estava em casa.


A guitarrinha do início do ano, a subida da bateria, o burburinho de encher. Fui feliz só de saber que poderia vaiar Léo Pereira. 

"Que cabeludo é o David Luiz!". "O Neneca é grande demais!". DÁ PRA VER A CARECA DO EVERTON RIBEIRO DAQUI!". Sons de alegria.

E a raiva de não poder vaiar o suspenso Andreas? Até isso teve um gostinho bom.


O sabor, o prazer, a felicidade de gritar "HORROROSO" toda vez que Léo Pereira tocava na bola, e o olhar solto do amigo rindo ver você chocado com não só um, mas DOIS gols do dito cujo.


Chorar com gol de garoto mais uma vez, ver, pular e cair levantando o muque junto com o homem. Coisas que nos facinam.


Coisas que sabemos que nós fazem felizes.


Flamengo x Bangu poderia ser um jogo normal. Pra mim, foi um dos dias mais plenos de felicidade da vida.


Livre, leve e solto. Uma noite para nunca mais esquecer, depois de 2 anos que eu preferia nem conseguir lembrar.


O Flamengo marcou pra mim o início da pandemia. O Flamengo foi ontem o que parece ser o fim dela. O Flamengo é a minha vida.


Que o ritual de todo jogo nunca mais se interrompa, que saibamos, como o Flamengo e seu 6x0 de presente, como ser felizes.


No mais,

 Saudações Rubro-Negras.


(ge.com)


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