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You’ll Never Walk Alone: 26 anos de Hillsborough


Em 15 de abril de 1989, um jogo entre Liverpool e Nottingham Forest válido pela semifinal da FA Cup aconteceria em campo neutro: no estádio do Sheffield Wednesday. Uma sucessão de erros fez com que 766 pessoas saíssem de lá feridas e 96 – com idades de 10 a 69 anos – perdessem suas vidas. O desastre em Hillsborough foi um dos maiores do futebol mundial, e mudou toda a estrutura dos estádios na Inglaterra. Hoje lembramos todos os que perderam suas vidas durante essa tragédia. Na verdade, eles nunca serão esquecidos.

Como está no site do próprio Liverpool: “Eles ficaram conhecidos coletivamente como 'Os 96', mas para as famílias e amigos que deixaram para trás, eles eram simplesmente um pai, um filho, um irmão ou uma irmã, um primo, uma tia, um tio e um avô, um namorado, um esposo, uma alma gêmea e um melhor amigo.”


O Estádio Hillsborough era um dos poucos na Inglaterra considerado apto a receber jogos de grande porte e já possuía cinco semifinais no seu currículo. Um acidente já havia ocorrido oito anos antes (1981) durante um jogo entre Tottenham e Wolverhampton, que terminou com um total de 38 feridos por esmagamento. Isto levou o Sheffield Wednesday a alterar o projeto do setor Leppings Lane End, dividindo-o em três áreas separadas e, posteriormente em cinco. Entretanto, a perigosa grade continuava lá.

O problema começou com a falta de preparo do recém-transferido chefe de polícia, David Duckenfield, que parecia não entender de futebol e nem ter a experiência que o dia exigia. Mesmo com o acontecido em 81, os policiais também não foram orientados quanto a forma como deveriam agir caso algo mais grave acontecesse. Um número grande de torcedores já era esperado, afinal, não era qualquer jogo, mas sim a semifinal de uma das competições mais tradicionais da época. Pessoas com ingresso entrariam e pessoas sem ingresso foram até lá tentar a sorte - mesmo depois de avisadas que não deveriam aparecer.

O jogo foi marcado para 15 horas e, quando o relógio apontava por volta de 14h25min, o número de torcedores era consideravelmente grande e, é claro que todos queriam ver o pontapé inicial. Quem não conseguiu entrar também não tinha como sair, graças à multidão. O clima nesse momento passou a ser não mais amistoso, mas de afobação e tensão. Com isso, as 23 catracas destinadas aos visitantes não suportavam o grande volume de torcedores, impedindo que todos estivessem do lado de dentro quando o juiz apitasse pela primeira vez.

O setor Leppings Lane End, destinado ao Liverpool, tinha capacidade para 14.600 torcedores, 6.400 a menos que o do Nottingham Forest, mesmo que os Reds estivessem em maior número. Todos queriam ficar exatamente atrás do gol, como é tradicional. Na parte superior, tudo caminhava bem; já na parte de baixo o cenário era outro. Nas laterais sobrava espaço, enquanto no meio as pessoas ficavam cada vez mais apertadas. Para piorar, a última obra feita, em 1985, não deu aos torcedores a possibilidade de passar de um setor para o outro. Era quase impossível voltar ou mudar de lugar.

Mesmo vendo a situação do lado de fora, o chefe da polícia resolveu não adiar o início da partida. Ao invés disso, para evitar acidentes fora do estádio, ordenou que o portão de saída C fosse aberto. Sem catracas, todos estavam livres para entrar e davam de cara com o túnel direto para as partes centrais. E foi para lá que maioria se dirigiu: um setor que já estava super lotado. Mas ninguém deu nenhuma indicação. Duckenfield, da sala de controles, não falou nada.


A pressão ia ficando cada vez mais forte e nenhuma atitude era tomada. Após 6 minutos de jogo, o árbitro parou a partida graças a uma invasão de campo e depois mais e mais pessoas iam entrando. Não por desordem, como foi pensado no início, mas porque muitas estavam morrendo esmagadas. Os policiais, vendo o que realmente estava acontecendo, tentaram ajudar, abriram portões, puxaram as pessoas para dentro do campo, contudo inúmeras já não podiam mais lutar por suas vidas. Ao mesmo tempo, os torcedores do andar de cima puxavam os de baixo, tentando ajudá-los a fugir de toda a confusão.


Ao ser perguntado por Graham Kelly, da confederação de futebol, o que estava acontecendo, David Duckenfield, por uma razão desconhecida, disse que os torcedores haviam forçado a entrada por um portão de saída e provocado o desastre. Essa foi a notícia que se espalhou pelo mundo. Todos se posicionarem contra a torcida Liverpool, acreditando que suas ações tinham sido violentas e foram motivadas o excesso de bebida. Tudo porque o chefe de polícia não assumiu a responsabilidade por seus atos.

O The Sun estampou em sua capa “The Truth”, ou “A Verdade”, dias após a tragédia. Na matéria, policiais diziam ter sido agredidos e que “torcedores bêbados do Liverpool atacaram a equipe de resgate enquanto eles tentavam socorrer as vítimas”. Afirmaram ainda que uma garota morta foi abusada e que torcedores teriam urinado neles e nos corpos daqueles que ali ficaram. Isso contrariava a atitude de muitos, que inclusive prestaram os primeiros socorros a alguns feridos. O jornal se desculpou apenas em 2004, ao assumir que havia cometido o maior e mais terrível erro da história.

A Inglaterra vivia o auge do hooliganismo e, por isso, parecia mais fácil culpar os torcedores. As famílias que perderam alguém naquele dia e até quem sobreviveu lutaram para desvincular de quem morreu a imagem terrível que se criou.

Anos depois investigações apontaram que a tragédia não foi causada por ação violenta dos torcedores, mas por superlotação, bem como o péssimo estado de conservação do estádio e o não cumprimento das normas de segurança. O estádio foi modernizado para a Copa do Mundo de 66, mas ainda assim continuou perigoso, já que a movimentação das pessoas ainda era limitada.

Em setembro de 2012, concluiu-se que os torcedores do Liverpool não foram responsáveis pela tragédia e que as autoridades tentaram esconder o que aconteceu, incluindo a alteração de 116 declarações relativas ao desastre pela polícia. Além disso, o Hillsborough Independent Panel – instituído pelo governo britânico para investigar o desastre – concluiu que 41 das 96 mortes poderiam ter sido evitadas se as vítimas tivessem recebido tratamento médico imediato. O relatório revelou também várias falhas por outros serviços de emergência e organizações públicas que contribuíram para o número de mortos.

 

No dia 15 de abril de 1989, 24.000 torcedores do Liverpool viajaram para uma partida de futebol. 96 jamais retornaram. E não importa quantos anos passem suas identidades, sonhos e esperanças nunca devem ser esquecidos.

Tentei por muito tempo achar palavras para descrever o que senti enquanto pesquisava sobre Hillsborough. A cada coisa que descobria, um novo sentimento aparecia; tristeza, raiva, indignação e, principalmente, desejo por justiça. É como se tivesse acontecido com alguém que eu conheço. A angústia era minha também. O ocorrido ultrapassa as barreiras geográficas e clubísticas. O que aconteceu naquele 15 de abril vai ficar marcado para sempre no futebol. Se os ingleses são um exemplo de organização e segurança hoje, muito se deve àquele dia.



Luiza Sá (@luizasaribeiro)

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