"É muito estranho. Eu sempre temi por esse momento,
e hoje estou aqui absolutamente devastado por pensar que não jogarei diante
dessa torcida novamente. Preciso dizer o meu último ‘obrigado’ a cada um desses
torcedores, que se sobressaem sobre qualquer outro". Assim Steven Gerrard
encerrou seu último discurso como jogador do Liverpool em Anfield. Acredite,
capitão, você não é o único a estar devastado.
Não vi Rush, Callaghan, Hunt, tampouco Dalglish. Não vi
os gloriosos anos 70 e 80. Não sofri em Hillsborough. Não vi sequer uma Premier
League. Mas tive o privilégio de ver Steven Gerrard. Que homem! Um jogador
longe de ser um atleta comum. Caracterizado pela disposição e lealdade, Gerrard
nos remete à essência do futebol. Ao longo dos últimos 17 anos, o menino
transformou-se num homem com rugas, colecionou troféus e impressionou o mundo
da bola por sua liderança e lealdade, em tempos de megacontratos.
Eu
sempre vi torcedores apaixonados por seus ídolos. Aquele orgulho, brilho no olhar,
aquela sensação de ter alguém que realmente te representa. Eu também queria ter
o meu. Mas nenhum me satisfazia por inteiro. Foi quando eu conheci Steven
Gerrard. Ah, Stevie e sua elegância em campo. Sem deixar de lado a força, a
garra. Um atleta de uma técnica incrível e que não desistia de nenhuma bola.
Atributos que em si já são invejáveis. Mas Stevie vai além: possui uma índole
irreparável. Um caráter forte. Um amor raro pelo time e torcedores. É um líder
natural, dentro e fora das quatro linhas. Algo tão lindo e que faz o futebol
ser aquilo que amamos. Eu havia encontrado o meu ídolo. Um ídolo com todas as
características que eu mais prezo.
A
história vencedora de Gerrard todo mundo já conhece. O menino, aficionado pelo
Liverpool desde que nasceu e que perdeu o primo em uma das maiores tragédias
que o futebol já viu – o Desastre de Hillsborough –, cresceu e tornou-se um dos
maiores nomes do futebol mundial. São 28 anos de Liverpool, quase 17 como
profissional. Mais de 700 jogos e 185 gols pelo clube, muitos destes com a
braçadeira de capitão. Foram inúmeras propostas irrecusáveis de times como
Barcelona e Milan que ele recusou. José Mourinho admitiu que, por três vezes,
tentou contratar Steven Gerrard – no Chelsea, no Inter e no Real – e obteve
sempre a mesma resposta: não. Um “sim” poderia ter feito dele um jogador ainda
melhor, mais reconhecido e, certamente, com a carteira mais recheada, mas o
amor ao clube falou mais alto.
Onze grandes títulos: uma Liga dos Campeões,
uma Liga Europa, 2 Supercopas Europeias, 2 Copas da Inglaterra, 3 Copas da Liga
Inglesa e 2 Supercopas da Inglaterra. Não ganhou nenhuma Premier League, é
verdade. Mas e daí? Isso mostra que nem os maiores homens são perfeitos.
É duro pensar que hoje Stevie deu seu último tapinha na
tradicional placa que fica no corredor que leva ao campo de Anfield. Que foi a
última vez que ele pisou nesse gramado. O último YNWA ouvido. As últimas palmas
recebidas. As últimas faltas magistralmente cobradas. A última vez que ele
carregou a braçadeira de capitão. Hoje se encerra uma era da vida desta lenda e
também da minha. Que por sinal, foi muito feliz! Com certeza os gritos de
Steven Gerrard ainda ecoarão nos pilares de Anfield Road por muitos anos. E
certamente, para lá ele ainda voltará inúmeras vezes, seja como torcedor ou até
mesmo jogador ou técnico.
Hoje morreu um pouquinho do futebol e não foi só Anfield
que sentiu a tristeza deste dia, foi no mundo inteiro. O capitão fantástico foi
sábio até na hora de sair. Soube reconhecer que não era mais o mesmo. É óbvio
que os últimos meses não foram brilhantes. A famosa escorregadela que, para
muitos, lhe custou o desejado título inglês e o “passe” para o gol do Suárez,
que deixou a seleção inglesa de fora já
na primeira fase do Mundial em 2014, devem ter mexido com ele e acredito que
ele seja daqueles que guarda mais facilmente os momentos maus que os bons.
Foto: LiverpoolFC |
A tarde deste sábado (16/05) foi marcada por tributos
intermináveis ao mito Steven Gerrard, tanto antes, como após o jogo. A
despedida do estádio, que por tantos anos foi a sua casa, entretanto, não saiu
como planejado. A derrota para o sempre estraga-prazeres Crystal Palace foi
muito dolorida. Os reds saíram na frente com um gol de Lallana. O empate
londrino veio ainda no primeiro tempo com Puncheon e a virada aos 15 do segundo
tempo com Zaha. Ao apagar das luzes, Murray ainda ampliou. Com a derrota, o
Liverpool perdeu matematicamente a chance de se classificar para a Champions
League e tem como incerta a vaga na Liga Europa. O último jogo do capitão
fantástico com a camisa do Liverpool será no próximo domingo (24/05) às 11h
contra o Stoke City, fora de casa.
Desde janeiro, quando foi anunciada a saída de Gerrard, cada jogo tem sido uma
despedida. Agora, chegamos à semana derradeira. A última do ídolo no clube.
Ninguém está pronto para vê-lo fora de Liverpool, isso é fato. Eu duvido até
que algum dia estejamos. O último remanescente do Milagre de Instambul se
despede. O jogador que viu tantos outros ídolos, como Torres e Suárez, deixando
o clube seguirá seus exemplos. Mas uma coisa é certa: o Liverpool nunca deixará
Steven Gerrard.
Você
jamais caminhará sozinho, capitão.
Somos todos Gerrard! Foto: LiverpoolFC
Janaína Wille | @janainawille
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4 Comentários
Lindas palavras. YNWA
ResponderExcluirGostei tanto desse texto que vou pedir pra lerem no meu funeral
ResponderExcluirGerrard mito, eterno ídolo. You''ll never walk alone
ResponderExcluirMuito emocionante Janaina, parabéns ��
ResponderExcluirSTEVEN GERRARD PRA SEMPRE NOS NOSSOS CORAÇÕES