Durante esse especial, retratei
histórias sobre a dificuldade feminina de vários pontos de vista. O objetivo
sempre foi mostrar ao público do Linha de Fundo os vários campos do preconceito
e suas formas, coisa que, quem sabe, pode abrir a mente de muitos que ainda
acham que futebol não é coisa de mulher. A quarta parte desta “viagem” falará
do lado que poucos conhecem, mas com toda certeza deveriam.
Não é difícil achar campos de
futebol pelo Rio de Janeiro. Passe pelas zonas norte e oeste principalmente e
você encontrará todo tipo de local com duas traves e um espaço para jogar bola.
Os cariocas vivem o esporte. Nas comunidades da Cidade Maravilhosa, meninos e
meninas sonham com o futuro como jogadores e esperam que um dia essa realidade
fique mais próxima.
O Padre Miguel FC reúne alguns
desses jovens e luta para que o sonho deles possa se tornar real. Treinando no
Cruzeiro, clube em Realengo que sediou a Copa TIM Zona Oeste – comentamos sobre
ela aqui, o projeto tenta ultrapassar todas as barreiras para manter-se vivo.
No meio de tantos talentos, 70 meninas colocam a chuteiras e driblam o
preconceito todos os dias.
LEIA MAIS: O tabu feminino no futebol
O projeto do futebol feminino
começou em 2012. Como a escolhinha já funcionava desde 2011, muitas meninas iam
aos treinos para jogar e acabavam formando um time misto com os garotos.
Visando a Taça das Favelas daquele ano, André, um dos treinadores, inscreveu o
time ainda inexistente na competição e assim surgiu a equipe só de mulheres.
Em três anos, as garotas
disputaram competições como Taças das Favelas, Liga Iguaçuana e Copa Carioca.
Para o técnico Luciano, os melhores desempenhos de suas comandadas foram na
vitória por 3x1 contra o Botafogo, quando o time ainda não era conhecido, e a
segunda partida contra a Seleção Brasileira Sub15, quando elas perderam por
6x5, mas chegaram a estar na frente do placar com 3x5.
Luciano me contou que a grande
dificuldade é justamente a falta de investimento, tanto nos times quanto nas
competições. A ausência de ajuda financeira impede que o projeto tenha todos os
materiais necessários, o auxílio no custo das passagens para os treinos e uma
boa alimentação para elas. Outro obstáculo vem com os problemas para bancar as
competições. O treinador falou sobre o Campeonato Carioca, que é inviável para
eles já que o dinheiro de cada partida deve sair do próprio bolso. Sem
patrocinadores, graças ao pouco reconhecimento e a baixa visibilidade, as
meninas fazem o que podem para continuar.
O alto custo dos campeonatos, do
registro das meninas na federação e o baixo número de torneios grandes no Rio
de Janeiro acabam tornando tudo mais difícil e, com isso, algumas garotas
escolhem deixar o estado para ir atrás de chances melhores. O time já perdeu
ótimas jogadoras graças a isso, mas o destaque das meninas para “fora” não é
ruim.
O Padre Miguel FC colhe os frutos
da luta pelo projeto não só com a evolução das meninas, mas também com o reconhecimento
externo. A conquista mais recente foi à convocação de Thalita para a Seleção
Brasileira Sub15. A lateral chamou atenção no amistoso entre as equipes e
acabou sendo chamada. “Não tem dinheiro
que pague a convocação dela. A gente abre as portas e elas têm que abraçar as
oportunidades, que são poucas. É muito difícil trabalhar com futebol feminino.
Elas têm que abrir o coração pra isso, tem horas que da vontade de desistir.
Nunca ganhei dinheiro com futebol, o maior dinheiro que ganhei na vida foi ela
(Thalita) ter sido convocada. Isso ninguém vai tirar de mim, foi a minha mega-sena.
A maior satisfação que eu tenho trabalhando com futebol é essa. Essa foi a
maior vitória. Posso ser campeão de qualquer campeonato, mas não vai valer a
convocação dela. Um projeto que não tem muita visibilidade, não tem apoio
nenhum, ter uma menina nossa convocada? Eu posso morrer hoje que morro
satisfeito. A maior vitória que tivemos aqui”, disse Luciano com lágrimas
nos olhos e orgulho na voz.
Pergunto ao time se o futebol
feminino pode ganhar mais visibilidade depois das Olimpíadas, já que o nosso
país receberá a competição e a mídia terá que falar das partidas. As respostas
são opostas, assim como o sentimento em todos nós. A expectativa é que esse
seja o momento certo para que a modalidade tenha o destaque que merece, mas é
impossível prever o futuro.
Questionada sobre o que mudou em
sua vida depois da entrada do futebol, Rayssa disse: “Me deu mais clareza para acreditar que eu posso conseguir”. Quando
perguntei o que o esporte significa na vida delas, a resposta foi unânime:
tudo. Todas sonham em serem profissionais e sabem que devem estar unidas atrás
desse objetivo. Elas completam dizendo que, pra uma menina querer ser jogadora
de futebol, ela não pode só gostar, tem que amar. “Mesmo que não nos tornemos jogadoras, seremos seres humanos melhores,
já que passamos por muitas coisas”, disse uma delas.
Todas afirmam que sofrem
preconceito constantemente por praticarem o esporte e ele não vem só da rua.
Dentro de casa, muitas famílias ainda não aceitam ou não entendem a opção das
filhas. Muito se deve a questão da homossexualidade, já que alguns relacionam
isso com as mulheres em um esporte dito como masculino. Além disso, elas
reconhecem que não há apoio nem o devido valor a quem está começando por parte
das entidades responsáveis, o que atrasa o desenvolvimento do futebol.
Muitas garotas desistem por falta
de foco ou de opção. A maioria não tem estrutura física pra aguentar, já que
grande parte dos times não têm condições de pagar pelos equipamentos ou
treinamentos adequados. O RJ, local tão tradicional no futebol, não tem nenhum
investimento da federação. Mesmo com um atraso gigante, outros estados como São
Paulo, Minas Gerais e Brasília tem uma estrutura melhor de apoio às meninas.
Ainda assim é pouco para a grande necessidade das nossas mulheres.
Assim como Marta, que passou por
um pequeno clube de Nova Iguaçu, muitas outras poderiam seguir seu caminho.
Infelizmente ainda falta muito para que nossas meninas tenham as oportunidades
que merecem.
Mariana Sá || @imastargirl
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