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Os 20 anos do bi da Libertadores na ótica do herói


Danrlei; Arce, Rivarola, Adílson e Roger; Dinho, Goiano, Carlos Miguel e Arílson; Paulo Nunes e Jardel; Felipão. Que torcedor não lembra desse time? Das conquistas? Do sangue nos olhos? Do amor recíproco que fazia a camisa Tricolor transforma-se na pele dos jogadores?

Um goleiro confiável e identificado com o clube. Dois excelentes laterais: Arce e Roger (hoje técnico do clube). Quiçá os melhores que o Grêmio já teve. Adilson, uma liderança nata, tanto técnica, como de vestiário, e o paraguaio Rivarola, vigoroso e sério, formaram um sólido miolo de zaga. Na volância, Dinho e Goiano formaram uma dupla quase intransponível, que, além da raça, possuía qualidade no passe e cobrava faltas magistralmente. No meio, coube a Carlos Miguel dividir espaço com Arílson, substituto de Émerson que havia se lesionado no Campeonato Gaúcho daquele ano, e, mais uma vez, formou-se uma dupla perfeita. Para o ataque, a dupla estava escolhida: Magno, do Flamengo, seria o companheiro de Jardel. Todos sabem o fim da história: Paulo Nunes, o Diabo Loiro, trazido como contrapeso na negociação com Magno, firmou-se e juntamente com o eterno camisa 16, formou um memorável casal 20 do futebol brasileiro.

Na casamata, o ascendente Felipão soube mesclar os medalhões e os jovens, transformando em uma máquina um time formado por jogadores de certo nome, jovens das categorias de base do Olímpico, alguns que estavam condenados a segundo plano em seus clubes anteriores e atletas que foram dados ao Tricolor. Peças que encaixaram-se perfeitamente. Um enorme quebra-cabeça azul, preto e branco.

Há exatos 20 anos, esse time conquistava a sua maior façanha: a Libertadores da América. O Linha de Fundo, juntamente com um dos heróis da conquista e autor do gol do título, Dinho – o Cangaceiro dos Pampas, que concedeu uma entrevista exclusiva à nossa equipe, relembrará momentos marcantes e bastidores da campanha vitoriosa.
      

O INÍCIO DA CAMPANHA


O Grêmio conseguiu a classificação para a Libertadores da América de 1995 através do título da Copa do Brasil no ano anterior. No entanto, do time campeão de 94 restaram apenas poucos jogadores. Um dos reforços que chegou, foi o volante Dinho, que, mesmo tendo sido campeão da Libertadores pelo São Paulo, teve a sua chegada recebida com desconfiança, assim como muitos outros atletas do elenco. “Os jogadores que vinham não tinham expressão nacional, isso contribuiu para o nosso crescimento” afirma.  O que é verdade. Ele rapidamente se adaptou ao estilo gaúcho de jogar e em pouco tempo conquistou o carinho da torcida. 


Na primeira fase da competição, o Grêmio não encontrou muitas dificuldades. Terminou a fase inicial com 11 pontos, na 2ª colocação, atrás do Palmeiras, contra quem sofreu a sua única derrota. Nas oitavas de final, a classificação foi praticamente concretizada já na primeira partida, quando o Tricolor aplicou sonoros 3 a 0 na equipe do Olímpia, em Assunção.
       

GRÊMIO X PALMEIRAS: UM CLÁSSICO DOS ANOS 90


De toda a campanha, a fase mais difícil foi a das quartas de final. Mais uma vez, o Palmeiras cruzaria o caminho do Grêmio na competição. Um clássico nacional dos anos 90, com as duas equipes em grande fase. Tecnicamente, o Palmeiras era praticamente imbatível. O melhor time do Brasil, com diversos jogadores de Seleção Brasileira. Para se ter uma ideia, os dois laterais titulares eram Cafú e Roberto Carlos, que viriam a ser pentacampeões da Copa do Mundo em 2002. Desta vez, entretanto, o desfecho foi feliz para os gaúchos. No primeiro jogo, em Porto Alegre, o Grêmio aplicou humilhantes 5 a 0 no time paulista.

A partida começou violenta. Logo aos 17 minutos, Rivaldo foi expulso. Ainda no primeiro tempo, Dinho agrediu Válber, que revidou, e ambos também foram expulsos. Na saída de campo, Dinho correu atrás de Válber e acertou uma lendária voadora, que até hoje é lembrada pelos torcedores, no rival. Depois do jogo, os atletas ainda encontraram-se na delegacia para o registro do Boletim de Ocorrência. Após aquele dia, sucederam-se anos de desentendimentos entre os jogadores. Hoje, porém, Dinho afirma que não existe mais nenhuma rusga: “hoje já falamos normal. Campo é campo. Na hora a cabeça fica quente, mas depois passa tudo”.


A briga em campo pareceu ter contagiado os torcedores e, na arquibancada, gremistas e palmeirenses também conflitavam. Após um tempo paralisado, o jogo reiniciou e a essa altura a equipe do Palmeiras já estava totalmente desestabilizada. Ninguém marcava, tampouco conseguia realizar alguma jogada de ataque. Assim, os gols do Grêmio foram saindo naturalmente, como se fosse um treino.

No jogo da volta, em São Paulo, o Palmeiras organizou uma força-tarefa para tentar o milagre da classificação. Do lado Tricolor, as dificuldades não eram poucas. O time foi sem Dinho, expulso, e sem Danrlei, que também havia se envolvido na confusão. Para substituir o goleiro, Murilo teve que disputar a partida com um dedo quebrado e, na superação, fez defesas excepcionais que garantiram a ida à próxima fase.

Logo no inicio da partida, Jardel estufou as redes e ampliou a vantagem tricolor para 6 x 0. Classificação garantida, correto? Ainda não. Após o gol sofrido, o time do Palmeiras pareceu ter acordado e conseguiu fazer um, dois, três, quatro, cinco gols. A noite parecia interminável. No entanto, faltou um gol para levar a partida aos pênaltis.

Os jogos diante do Palmeiras foram de suma importância para o crescimento final do grupo. A partir deles, o Grêmio incorporou – ainda mais – o espírito da competição. “A gente relaxou um pouco no segundo jogo, acho que é normal. Os gols sofridos chegaram a assustar um pouco sim. Mas também foram importantes para que conseguíssemos corrigir os erros e chegássemos mais fortes ainda” pondera Dinho.
      

A AMÉRICA AZUL, PELA SEGUNDA VEZ


O Grêmio chegou na finalíssima após vencer, com relativa facilidade, a equipe do Emelec na semifinal. Seu adversário, o Atlético Nacional, avançou após derrotar o River Plate nos pênaltis.

Ao contrário de 83, quando o Grêmio decidiu o título em casa, desta vez o primeiro jogo foi realizado no estádio Olímpico. Em casa, o Grêmio sobrou em campo, fez uma belíssima partida e com gols de Marulama contra, Jardel, que, com 12 gols, foi o artilheiro do torneio, e Paulo Nunes, abriu uma vantagem de três gols sobre a equipe colombiana. Aos 27 minutos da segunda etapa, porém, o Atlético Nacional diminuiu e o gol foi como um balde de água fria sobre os jogadores do Grêmio. Apenar de ter conseguido uma boa vantagem, não era o que a torcida esperava. No vestiário, o clima era derrota, principalmente no discurso do Felipão, que estava enlouquecido e afirmava que o gol sofrido poderia custar caro. Foi quando Danrlei assumiu a liderança no vestiário e, tranquilizando os companheiros, professou: “nunca, em hipótese alguma, eu vou levar dois gols desses caras, podem comemorar!”.

30 de agosto de 1995, estádio Atanasio Girardot, Medellín, Colômbia. Cinquenta mil torcedores lotavam as arquibancadas e pressionavam o Atlético rumo a uma vitória. Os jogadores gremistas pouco haviam dormido durante a noite, pois o foguetório em frente ao hotel era intenso. “Era tudo muito difícil. Eles queriam ganhar na marra”  lembra Dinho.



Logo aos 12 minutos, o time da casa abriu o placar. De acordo com as regras, faltava apenas um gol para o time levar a decisão às penalidades, já que na época não existia o gol qualificado. A partida foi um martírio para a torcida gremista que, de longe, via o time resistir bravamente. Eis que aos 40 minutos do segundo tempo, Alexandre Xoxó invadiu a área adversária e sofreu pênalti. Dinho ficou incumbido da cobrança e com um chute forte, no alto e no meio, colocou um fim na angustia dos torcedores. “Naquele momento em que você corre até a bola, olha em volta e ouve a torcida, dá um nervosismo. Mas eu fiquei tranquilo, era o cobrador oficial. Bati como sempre e fiz o gol. Foi uma emoção muito grande” conta o ex-jogador de origem pobre, que escreveu seu nome em um dos capítulos mais gloriosos da história do Grêmio.

Ao final do jogo, o canto arrepiante dos 150 gremistas presentes no estádio era o único que se ouvia. 
    

OS LOUROS E A UNIÃO


Após desembarcar em Porto Alegre, os jogadores percorreram o caminho do aeroporto até o estádio Olímpico em um caminhão de bombeiros, desfilando com a Taça Libertadores da América, acompanhados de perto por um mar tricolor, que reunia entre 300 e 500 mil gremistas. Alguns jogadores chegaram a brincar que já estava na hora do Grêmio comprar um caminhão próprio, já que cada ano era feita uma nova carreata de título.

Preconceituosamente, muitas pessoas costumavam rotular o Grêmio de 95 como um time que só sabia bater e que só sabia fazer gols de cabeça. De fato, o Grêmio aproveitava muito bem o faro de gol e os cabeceios certeiros de Jardel. Contudo, a equipe montada por Felipão era muito mais que “esforçada”, como Zagallo, então técnico da Seleção, equivocadamente, chegou a dizer. Basta apenas assistir alguns lances. O Grêmio da época jogava com raça, vontade e técnica. Tinha, além do sangue nos olhos, muita qualidade, embora não fosse brilhante, como muito preferiam. Portanto, ganhava seus jogos com méritos e não apenas na “porrada”.

Quando se pergunta qual o diferencial do Grêmio na época, entre os jogadores, a união é a resposta unânime. Seja em campo, com um entrosamento incrível, ou fora dele, em churrascos, festas e diversas noitadas. E com tanta parceria, não faltam histórias curiosas, como relembra Dinho: “no primeiro jogo da final, após o termino, ficamos no exame antidoping. Logo depois fomos para uma boate, com o grande goleiro e amigo Higuita (então adversário) e com outro jogador deles que não me recordo”.

Ainda hoje, o grupo cultiva a amizade dos tempos de jogadores. “A maioria está aqui no sul, então sempre que possível nos encontramos” conta.
     

O CANGACEIRO


Apelidado carinhosamente de “Cangaceiro do Pampas” – pelas suas chegadas duras, às vezes violentas, nos adversários – Dinho conquistou uma legião de fãs e é considerado um dos melhores jogadores que já vestiram o manto tricolor.

Assim como o Grêmio na época, Dinho era comumente rotulado como um jogador que só sabia bater. Mas, o ex-atleta afirma que não se incomodava com os comentários desse tipo. “Quem entende de futebol e me viu jogar sabe que tenho outras qualidades, mas torcedor sempre tem razão”. Ele tinha qualidade de passe, saia e lançava bem a bola, cobrava escanteio, batia no gol, enfim, era completo.

Entre os seus principais títulos estão a Libertadores (95), Recopa Sul-Americana (96), Brasileirão (96) e a Copa do Brasil (97), questionado sobre o momento mais marcante da sua carreira, ele não vacila: “o gol do título na final da Libertadores”.

Atualmente vereador em Porto Alegre, Dinho já experimentou a vida de técnico de futebol, no Luverdense, e afirma ter um grande sonho: treinar a equipe do Grêmio. Enquanto esse dia não chega, o ex-jogador deixa um recado para a torcida e faz um convite muito especial:

“Sou eternamente agradecido ao torcedor do Grêmio. Até hoje vou a lugares e sempre tenho o carinho deles. Tudo que tenho devo ao Grêmio. Vou participar dia 19 de setembro, na Arena, às 11h, de um jogo com os jogadores que ganharam o Bi da Libertadores. A entrada vai ser 3kg de alimento ou R$ 5,00. Gostaria de lotar o estádio neste dia. Os jogadores merecem esta comemoração e a torcida também.”

A programação de comemoração do Bicampeonato da América inicia-se neste domingo (30), antes da partida contra o Coritiba, com uma volta olímpica dos jogadores que participaram da conquista. Após a partida, os mesmo estarão na Grêmio Mania realizando uma sessão de autógrafos. As ações alusivas à conquista irão culminar com a partida do dia 19, organizada pelo Dinho, com o apoio do clube.

Janaína Wille | @janainawille

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