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You'll Never Walk Alone: o dia que torcida e time andaram juntos no Milagre de Istambul


Há quem diga que torcida não ganha jogo e que, hoje em dia, milagres são improváveis no futebol, mas são duas afirmações que podem ser facilmente desmentidas. Há pouco mais de 10 anos, o Liverpool entrava para a história da UEFA Champions League como um dos maiores exemplos de superação em uma final da competição, no que ficou conhecido como "O Milgare de Istambul". E pra quem disse que não havia milagre no futebol, precisou rever os seus conceitos.

Antes de falar da final, vou relembrar um pouco da trajetória dos Reds até a grande final. O Liverpool fez a sua estreia na competição contra o Grazer, da Áustria, pela terceira fase. Na ocasião, o Liverpool venceu o jogo de ida por 2x0 fora de casa e perdeu no jogo de volta por 1x0, com um resultado agregado de 2x1 para o time inglês, a classificação para a fase de grupos foi garantida. No sorteio dos grupos, o Liverpool caiu no Grupo A junto com Mônaco, Olympiakos e Deportivo La Coruña e avançou para a fase seguinte na 2ª colocação.

O Milan, que seria o futuro adversário na final, se classificou em 1º do Grupo F, que contava também com Barcelona, Shaktar Donetsk e Celtic. O clube inglês somou 10 pontos, três a menos que o clube italiano. As equipes que se classificaram para as oitavas de final foram Mônaco, Liverpool, Bayern Leverkusen, Real Madrid, Juventus, Bayern de Munique, Lyon, Manchester United, Arsenal, PSV, Milan, Barcelona, Internazionale, Werder Bremen, Chelsea e Porto. Nas oitavas de final, o Milan eliminou o Manchester United com 1x0 na ida e 1x0 na volta (2x0 no agregado). Já o Liverpool, despachou o Bayern Leverkusen por 3x1 no jogo de ida e repetiu o placar no jogo de volta (6x2 no agregado).

Nas quartas de final, o Milan eliminou seu maior rival, Internazionale, vencendo por 2x0 no jogo de ida e 3x0 no jogo de volta (5x0 no agregado). O Liverpool eliminou a Juventus de Del Piero com uma vitória por 2x1 no jogo de ida e um empate de 0x0 na volta (2x1 no agregado). Nas semifinais, o Milan se classificou pelo critério de gols fora de casa: venceu na ida por 2x0 e perdeu no jogo de volta por 3x1 (3x3 no agregado). O Liverpool foi à final, eliminando o Chelsea com um empate de 0x0 no Stanford Bridge e uma vitória por 1x0 no Anfield (1x0 no agregado).

Quiseram os deuses do futebol, que Milan - que era de longe, o melhor time no papel - e Liverpool - que tinha um bom time, mas longe de chegar aos pés do Milan - se enfrentassem na final da UEFA Champions League de 2005 e fossem protagonistas de um jogo épico, que será lembrado para sempre como "O Milagre de Istambul" e é sobre isso que iremos falar nesse texto. No dia 25 de maio de 2005, Liverpool e Milan se enfrentaram no Estádio Olímpico Atatürk, em Istambul - a antiga Constantinopla - na Turquia. A capital do Império Romano, parecia estar dominada novamente pelos italianos naquela noite de 25 de maio de 2005. Os 45 minutos iniciais da final da Liga dos Campeões da UEFA haviam terminado e apenas um time desfilou seus talentos em campo com uma supremacia digna dos mais talentosos combatentes de Roma, ou melhor, de Milão.

O Milan, que era o favorito, engoliu o Liverpool sem dó nem piedade, deixando o rival arrasado, quase fora de jogo no estádio Atatürk: 3 a 0 na etapa inicial, com o primeiro gol marcado com menos de um minuto de jogo. Será que o Liverpool reagiria? Talvez não, praticamente, impossível - mas o impossível é uma palavra que não existia no dicionário dos Reds. O público presente estava mais certo de presenciar naquele dia uma das maiores goleadas da história da competição por um time que já havia aplicado placares elásticos em finais europeias em 1969 (4 a 1 no Ajax de Cruyff), 1989 (4 a 0 no Steaua Bucareste) e 1994 (4 a 0 no “Dream Team” do Barcelona).

Os ventos do "milagre sobrenatural" e os cânticos da apaixonada torcida do Liverpool - que cantava "You'll Never Walk Alone" - mudaram aquele panorama. Os combatentes de Milão foram alucinantemente surrados em 6 minutos perfeitos do time inglês. Levaram 1, 2, 3 gols. E o "impossível" aconteceu: Liverpool 3x3 Milan. O jogo seguiu frenético, emocionante, imprevisível e intenso. Mas, ao término dos 120 minutos, a decisão foi para os pênaltis. Nas penalidades, Dudek, o goleiro do outrora arrasado Liverpool, venceu a batalha contra o Império Romano erradicado em Milão e os Reds venceram por 3 a 2 (Hamann, Cissé e Smicer marcaram para o Liverpool; Tomasson e Kaká para o Milan). Depois de 21 anos o Liverpool era campeão europeu de futebol. Pela quinta vez, na mais épica decisão da cinquentenária Liga dos Campeões, o Liverpool provou que não existe o "impossível" no seu dicionário e a torcida provou que o Liverpool "Nunca Andará Sozinho".

Vamos relembrar de algumas curiosidades do jogo...

  • ·         Primeiro tempo - passeio italiano:

Pirlo e Maldini comemorando o 1º gol do Milan
Os times entraram no gramado turco e a atmosfera era a melhor possível. Rossoneros e vermelhos brindavam os amantes do futebol com uma festa linda e colorida. A torcida do Milan estava mais confiante, tamanha a constelação de craques que a equipe tinha em campo. A do Liverpool confiava no retrospecto copeiro do time (cinco finais de Liga e quatro taças conquistadas, com apenas uma derrota). Depois do hino oficial e de todos os trâmites cerimoniais, o árbitro Mejuto González apitou o início da partida. O jogo mal começou e Kaká sofreu uma falta de Traoré. Pirlo foi para a cobrança. Ele ia mandar na área. Fato. A zaga do Liverpool pareceu não entender. O capitão italiano Maldini estava livre. Pirlo mandou a bola para ele, que bateu de primeira sem chances para Dudek: Milan 1×0. Era o gol mais rápido da história das finais da Liga dos Campeões da UEFA: 50 segundos.

Segundo gol do Milan, marcado por Crespo
O gol mexeu com o time inglês, que ficou desnorteado. Kewell, do Liverpool, sentiu uma contusão e saiu do jogo para a entrada de Smicer. O Milan dominou a partida, atacou, atacou e atacou. Dida apenas olhava de camarote a partida. Aos 38 minutos, Kaká, em uma de suas habituais arrancadas, engatou um contra-ataque. Shevchenko passou pela direita e o brasileiro deu o passe para ele. O ucraniano cruzou e Crespo, na esquerda, fuzilou: 2 a 0. Cinco minutos depois, Kaká, fenomenal, deu mais um passe na medida para Crespo, que só teve o trabalho de tocar na saída de Dudek: 3 a 0. Era um baile. Dava dó ver o Liverpool em campo. O Milan lecionava uma aula de futebol e sacramentava seu heptacampeonato europeu com show. Parecia um replay de 1989, quando o mesmo Milan venceu por 3 a 0 o Steaua no primeiro tempo e fechou o caixão na segunda etapa com mais um gol. Será que veríamos o mesmo filme naquela noite?

Torcida do Liverpool incentivando o time, mesmo com a situação complicada
  • Segundo tempo: You'll Never Walk Alone


Os ventos de Istambul começaram a soprar de maneira misteriosa e sobrenatural durante o intervalo daquela decisão. Ao contrário de ficar calada, com olhos marejados e tristes por um título virtualmente perdido, a torcida do Liverpool começou a cantar o hino do clube, “You´ll Never Walk Alone” (Você nunca andará sozinho), como nunca antes ela havia cantado. O apoio e a emoção daquele momento parecia ter invadido o vestiário do time inglês na mais clara e pura devoção apaixonada de milhares de fãs a um clube de futebol. Quando os times voltaram ao gramado, o Milan parecia ser a estrela que chegava à festa apenas para tirar fotos e dar autógrafos. Já o Liverpool vinha com um instinto assassino em sua aura, pronto para retribuir o apoio de seus torcedores naquele momento tão difícil. Eles tinham apenas 45 minutos para fazer um segundo tempo perfeito e ao menos empatar a partida. Mas eles precisaram de apenas seis. Seis!? Isso mesmo... Seis!


Com força total, focado e determinado, o Liverpool partiu pra cima do Milan como se não houvesse amanhã. Aos oito minutos da etapa final, Riise cruzou na cabeça de Gerrard, que marcou o primeiro gol dos ingleses: 1x3. O capitão dos Reds pediu para a torcida gritar, apoiar, se inflar. Ela atendeu. Dois minutos depois, troca de passes do Liverpool na entrada da área do Milan e Smicer chutou. Baros encolheu a barriga, a bola passou e entrou: 2 a 3. A final ganhava ares épicos. Um jogo ganho estava quase igualado em apenas 2 minutos. O impossível começava a parecer possível. Mais algum tempo passou, Gerrard entrou na área italiana e foi derrubado: pênalti. Na cobrança, Xabi Alonso bateu e Dida defendeu. Mas o brasileiro deu rebote e o espanhol colocou a bola dentro do gol: 3x3.


O impossível acontecia. Em seis minutos o Liverpool empatava a decisão da UEFA Champions League de 2005. O antes morto time inglês se equiparava ao favorito e soberano Milan. Milhares de torcedores em Istambul e milhões pelo mundo afora viam a mais sensacional final de Liga na história. O jogo seguiu, mas os times não se atreveram a marcar mais nenhum gol naquele restante de segundo tempo nem na prorrogação. Era demais para o coração de todos. O Milan até tentou a todo custo marcar, mas a zaga e Dudek operavam milagres como quem diz “não escrevemos essa história para vocês manchá-la agora!”. Depois de 120 minutos estonteantes e intensos, a final foi para os pênaltis.




  • Uma muralha chamada Dudek:

Depois de um jogo memorável, os pênaltis iriam decidir quem seria o campeão europeu de 2005. O Milan, por um primeiro tempo fantástico? Ou o Liverpool, por reverter um resultado tão adverso em seis minutos? Ninguém se atreveria a responder… Jamie Carragher, zagueiro do Liverpool, encorajou o goleiro Dudek a repetir Bruce Grobbelaar – goleiro do time na final da Liga de 1984, vencida também nos pênaltis sobre outro adversário italiano, a Roma – a balançar as pernas e fingir estar com medo do batedor, como forma de intimidação e pressão psicológica. Dudek atendeu ao pedido de Carragher.

Serginho, do Milan, foi o primeiro a bater: na trave. Hamann partiu para seu chute contra o especialista em defesas Dida e converteu. Pirlo, do Milan, foi para a segunda do time italiano e caiu na artimanha de Dudek, que defendeu. Cissé foi o segundo do Liverpool e marcou, bola de um lado, Dida do outro. Tomasson bateu o terceiro do Milan e, enfim, marcou. Riise, aquele que cruzou a bola para o primeiro gol da reação do Liverpool, bateu o terceiro do time inglês e Dida defendeu no cantinho. Kaká foi para o quarto do Milan. Dudek se fazia de “espaguete” no gol, mexendo as pernas e zombando do brasileiro, mas o meia bateu e fez. Estava 2 a 2. Smicer foi para a última do Liverpool e fez: 3 a 2. Shevchenko era o próximo batedor do Milan. Se ele errasse, o Liverpool seria campeão europeu. O ucraniano partiu, bateu… E Dudek defendeu! Estava sacramentado o Milagre de Istambul: o Liverpool FC era pentacampeão da Europa!


O futebol dava mais um notável exemplo de que nunca, mas nunca um time pode ser considerado favorito e achar ter vencido uma partida sem antes o árbitro apitar o final de jogo. Nunca. Assim como nunca se deve duvidar de um time que não anda sozinho, mas sempre com sua apaixonada torcida, que cantou e cantou naquela noite, principalmente depois do capitão Gerrard levantar com a maior alegria do planeta a taça de campeão.



  • Pós-jogo, ou melhor, pós-milagre:

Mais de 300 mil torcedores do Liverpool recepcionaram a equipe na volta pra casa depois da epopeia de Istambul. O time ganhou a posse definitiva da taça da Liga e o direito de usar em sua camisa a estampa simbolizando os cinco troféus conquistados. Depois da festa, a equipe faturou a Supercopa da UEFA (derrotando por 3 a 1 o CSKA-RUS) e ficou com o vice-campeonato do Mundial de Clubes da FIFA ao perder para o São Paulo-BRA de Rogério Ceni, Lugano e Mineiro.


Sensibilizada pela conquista do time inglês, a UEFA decidiu incluir a equipe na edição 2005-2006 do torneio (mas na repescagem), já que os ingleses não haviam se classificado devido à má campanha no Campeonato Inglês. Mesmo como campeões, os vermelhos não tinham direito a vaga por causa do coeficiente que determinava que a Football Association (entidade que organiza o futebol na Inglaterra) tinha direito a apenas quatro vagas na competição (os quatro primeiros da Premier League), e não cinco. No torneio, o time chegou até as oitavas de final, mas foi eliminado pelo Benfica.

Na temporada seguinte, os Reds se redimiram do fracasso da Liga anterior e foram novamente finalistas, reencontrando o “companheiro” Milan. Em Atenas, os ingleses não conseguiram repetir a epopeia de Istambul e foram derrotados por 2 a 1. Desde então, o time tenta voltar a brilhar no continente e, mais que isso, conquistar o Campeonato Inglês, troféu que o Liverpool não vê desde 1990.

Ficha técnica do jogo:

Data: 25 de maio de 2005
Local: Estádio Atatürk, Istambul, Turquia
Juiz: Mejuto González (ESP)
Público: 70.024

Escalações:
Milan:
Dida; Cafu, Stam, Nesta e Maldini; Seedorf (Serginho 40´2o T), Pirlo e Gattuso (Rui Costa 6´2o T); Kaká; Crespo (Tomasson 40´2o T) e Shevchenko. Técnico: Carlo Ancelotti.

Liverpool:
Dudek; Finnan (Hamman intervalo), Hyypiä, Carragher e Traoré; Kewell (Smicer 23´1o T), Xabi Alonso, Gerrard e Riise; Luís Garcia e Milan Baros (Cissé 40´2o T). Técnico: Rafa Benítez.

Placar:
Milan 3×3 Liverpool (Maldini aos 50'; Crespo aos 38' e 43' do 1o T. Gerrard aos 8'; Smicer aos 10' e Xabi Alonso aos 14' do 2o T). Na decisão por pênaltis, 3 a 2 para o Liverpool (Hamann, Cissé e Smicer fizeram para o Liverpool. Riise perdeu; Tomasson e Kaká fizeram para o Milan. Serginho, Pirlo e Shevchenko perderam).

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