Do ponto de
vista da Europa Ocidental, o "Golden
Team" húngaro da década de 1950
pode parecer um ponto fora da história. Exótico e extravagante apareceu por
trás da cortina de ferro durante os dias mais sombrios da repressão stalinista
e pós-stalinista, jogando o futebol que exaltou a habilidade individual e
apresentou uma alegria dentro de campo que poucos (se algum) times conseguiram
ser capazes de jogar da mesma forma. Após a invasão soviética da Hungria em
1956, o time deixou de existir tão de repente quanto havia chegado.
Foram os
"Mighty Magyars" um contrassenso
histórico? Uma celebração da capacidade do espírito individual para manter a
sua criatividade e otimismo sob a mais terrível repressão?
Pra mim, essa
visão tradicional da equipe cai em dois níveis. Em primeiro lugar, ao não
reconhecer como a equipe húngara da década de 1950 se encaixa numa tradição
contínua de futebol europeu, com raízes no "Wunderteam" austríaco da
década de 1930 e uma influência que atravessa às equipes da década de 1970 do Dínamo
de Kiev e Ajax e as seleções brasileiras dos anos 60 e 70, deixando uma ideia
de continuidade de uma filosofia de jogo e entendimento do jogo. Em segundo
lugar, minimizando o papel do técnico Gustav Sebes, essa visão tradicional não
pode explicar as muitas maneiras em que ele fez a equipe bem sucedida por causa
de uma "regra socialista".
Quem duvidar
da grandeza da Aranycsapat só
precisa atropelar algumas de suas conquistas: maior número de gols (27) e média
de gols mais elevada por jogo (5,4) em uma única etapa final da Copa do Mundo
(ambos em 1954); 31 jogos invictos e apenas uma derrota entre 1950 e 1956 (a
infame derrota na final da Copa do Mundo de 1954); campeões olímpicos de 1952,
e claro, as famosas vitórias por 6-3 e 7-1 sobre a Inglaterra.
Esse sucesso
foi alcançado devido a níveis superiores de força física e técnica, bem como
inovações táticas decisivas - três fatores que são diretamente atribuíveis ao
técnico Gustav Sebes.
Num cenário de
pós-guerra implacável como organizador sindical em Paris, Sebes foi entregue ao
controle da seleção pelas autoridades e foi capaz de usar todas as alavancas de
poder do Estado para moldar a equipe à sua imagem. Reconhecendo os benefícios
de uma seleção que jogaram juntos regularmente (como as seleções italiana e
austríaca de 1930), ele garantiu que a maior parte da seleção húngara jogaria
no mesmo clube. Quando os clubes de futebol húngaros foram nacionalizados em
1949, Sebes foi imprescindível em garantir que o Honvéd de Budapeste se
tornasse o clube do exército, e ele posteriormente comandaria o recrutamento
para reunir a maioria dos melhores jogadores disponíveis. Ferenc Puskas e
Jozsef Bozsik já estavam no Honvéd, e Sandor Kocsis, Zoltan Czibor, Laszlo
Budai, Gyula Grosics foram todos recrutados para o clube.
Os jogadores
do Honvéd receberam graus militares, foram sujeitos a um treinamento físico
rigoroso em tempo integral e a técnicas dietéticas avançadas para garantir que
eles fossem capazes de manter um ritmo elevado durante 90 minutos. Detalhista,
Sebes ao se preparar para a partida contra a Inglaterra em 1953 treinou com as
bolas mais pesadas que estivesse um uso na Inglaterra e em um campo com as
dimensões exatas de Wembley. Sebes também instigou a formação técnica, com a
intenção de que seus jogadores teriam um conjunto de habilidades que lhes
permitissem jogar em qualquer posição. Era a chave mestra da sua inovação
tática - retirar o atacante central de modo que deixaria perplexa a linha
defensiva da Inglaterra em 1953 e 1954, embora algum crédito por essa inovação
também deve ir para Marton Bukovi, que havia usado uma formação semelhante no
MTK FC. Essa expectativa de que os jogadores têm habilidades para jogar em
muitas posições diferentes em campo antecipa claramente as filosofias das
equipes da década de 1970 do Ajax e Dínamo de Kiev. Enquanto nossos olhos
modernos podem ver a exuberância e improvisação do Time de Ouro como antítese
da uniformidade stalinista, para Sebes sua equipe estava jogando um
"futebol socialista", cada um puxando um peso igual, cada um capaz da
jogar em qualquer posição e ninguém com privilégios sobre seus companheiros de
equipe.
Mais do que
qualquer outra nação do Pacto de Varsóvia, a Hungria realizou o legado do
primeiro grande florescimento da cultura do futebol intelectualizado no entre
guerras. As ligações diretas podem ser atestadas através de alguns dos
jogadores e dirigentes que eram influentes no desenvolvimento do Time de Ouro,
como por exemplo, Bela Guttman que popularizou a formação que levou o Brasil a
conquistar a Copa do Mundo em 1958, tinha jogado em Viena de 1920 a 1930, e
treinou um jovem Ferenc Puskas no Kispest FC em 1947-48 até que ele deixasse o
clube após seu estouro como grande jogador.
Na tentativa
de entender como o Aranycsapat floresceu é também útil ter uma melhor
compreensão das minúcias da política na Hungria entre 1945 e 1956. O comunismo
stalinista não chegou completamente formado na Hungria em 1945, em vez disso, o
país passou por quatro fases distintas: em primeiro lugar, uma democracia
multi-partidarista liderada pela Associação dos Pequenos Agricultores
Independentes que durou até 1949; seguido de um período de nacionalizações,
repressão e expurgos sob a República Popular da Hungria depois de um período de
reformismo que se desenvolveu sob o primeiro-ministro Imre Nagy depois da morte
de Stalin em 1953 e que durou até a revolução e subsequente invasão soviética
em 1956. A Revolução Húngara de 1956 trouxe a desintegração do Time de Ouro.
Quando as tropas soviéticas invadiram a Hungria, a maior parte da equipe estava
fora do país para jogar contra o Athletic Bilbao pela primeira fase
eliminatória da Taça Europeia. Em vez do regresso ao país, a equipe embarcou em
uma turnê de captação de recursos antes que seguissem caminhos separados.
Embora banidos do futebol por dois anos, a maioria ressuscitaram suas carreiras
na Europa ocidental. Puskas, em particular, achou uma segunda casa no Real
Madrid.
Ao longo
destas circunstâncias políticas tumultuosas, Sebes foi capaz de fazer uso de
todas as vantagens do autoritarismo para criar uma equipe disciplinada e bem
treinada, e o próprio Sebes era um socialista convicto que sabia que sua equipe
era a mais genuína expressão dos fatores mais positivos de uma filosofia
coletivista. Não é preciso muito para ver o Time de Ouro húngaro como
representantes da forma mais liberal e pluralista do socialismo que foi por
muito um modelo para vários movimentos reformistas na Hungria durante este
período, contrariando qualquer ideia de pragmatismo e uniformidade soviética.
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