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Atlético X Villa Nova - Codinome Tradição


Segundo o Oráculo dos Tempos Modernos, o Google, a palavra tradição tem origem no latim Traditio, que por sua vez significa entregar, passar adiante. A tradição também pode ser interpretada como a transmissão de costumes, comportamentos, memórias, crenças, lendas, para pessoas de uma comunidade, sendo que os elementos transmitidos passam a fazer parte da cultura.  Portanto, a palavra remete à um registro histórico de fatos que identifiquem um povo com seus costumes; remete à manutenção de certos signos ao longo do tempo.

No futebol tal conceito erroneamente se mistura com envergadura.  Clubes vencedores se autoproclamaram tradicionais, sem que de fato uma tradição estivesse estabelecida, no imaginário, no folclore de sua gente e (por que não?) no olhar dos seus rivais.

Nesse quesito o Estado de Minas Gerais, e consequentemente o futebol praticado nas alterosas é riquíssimo (em todas as suas regiões), porém um jogo certamente ilustra de maneira mais clara os conceitos postos acima. Trata-se de Villa Nova x Atlético, confronto válido pela 10ª rodada do campeonato mineiro.

Os dois clubes foram fundados em 1908 – O Galo em 25 de Março e o Leão em 28 de Junho – e se enfrentam desde 1912 com uma estatística amplamente favorável ao Galo (143 vitórias), embora o Villa (42 vitórias) tenha um bom número de triunfos.  

Foto do Primeiro Confronto Entre os Times - 1912 - Fonte: Acervo do Jornal Hoje em Dia
A relação dos rivais do fim de semana é interessante, tendo em vista que ela se mistura com a própria introdução e a popularização da cultura do futebol em Minas Gerais. No caso do Villa Nova tal associação com a introdução do esporte é mais explícita, dada a umbilical relação da cidade de Nova Lima com a Inglaterra. O Villa Nova Athletic Club foi criado por mineradores britânicos (naturais de Birmingham, e torcedores do Aston Villa) da St. John Del Rey Minning Company. É importante ressaltar que estes ingleses foram responsáveis por introduzir o Football nas Minas, não só em Nova Lima, mas onde quer que eles estivessem trabalhando.

Ademais, o Villa Nova também foi o primeiro clube a disputar uma partida profissional na Região Metropolitana (Vitória por 2x1 contra um combinado do Bairro da Lagoinha em BH), antes mesmo do próprio Atlético; o primeiro a realizar uma partida interestadual (Derrota por 7x1 para o Riachuelo, no Rio de Janeiro); e o primeiro formar jogadores que disputariam uma Copa do Mundo pela Seleção Brasileira (Zezé Procópio e Perácio em 1938, embora ambos na realização do Mundial da França já não estivessem nos quadros alvi-rubros). Por fim, vale o destaque que o auge do Villa Nova ocorreu nos anos 30 (títulos estaduais em 32, 33, 34 e 35), certamente uma consequência direta da construção do seu estádio: o Alçapão do Bonfim, inaugurado em 1930, remodelado em 1989, e que está ativo até os dias atuais.

Rivalidade Aflorada: Atlético e Villa em 1955 - Fonte: Acervo do Jornal Hoje em Dia
No caso do Galo, sua história acima dos títulos e das glórias,  guarda ligação com a popularização do esporte na Capital. Assim como o Villa, o clube começou a ser encarado com mais seriedade pelos rivais nos anos 30, seja pelas conquistas (Campeão Mineiro em 31, 36,38 e 39; e Campeão da Copa dos Campeões Estaduais em 1937 – primeiro título interestadual de sua história), seja pelo crescimento estrondoso de sua torcida. 

Foi naquela década que o clube se assumiu como um dos únicos, se não o único da capital a abraçar os marginalizados.  Na Belo Horizonte de um Brasil Café com Leite, o América havia sido fundado pela Aristocracia, ganhando grande apelo também da classe média, enquanto o Yale/Palestra era exclusivo para os oriundi

O engraçado é que a História as vezes prega algumas peças: os “velhos” palestrinos em uma demonstração de asco, não só aos atleticanos como também às classes populares, cunharam um apelido para a torcida alvi-negra: “Cachorrada” (que perdura até hoje, e nós inclusive até nos apropriamos).  Ao passo que nos dias atuais, através de uma campanha de marketing/hashtag, os palestrinos contemporâneos se intitulam como “#timedopovo”, algo no mínimo estranho (mas que não é assunto para hoje).

Destarte, explanado o caráter retrô da peleja, quando Atlético e Villa entrarem em campo no próximo sábado, muito mais do que três pontos estarão em jogo - o desafio técnico pouco importa.  Trata-se de tradição, trata-se de história, trata-se do futebol respirando sua mais bela essência.

OBS 1: Dane-se Rede Globo, Dane-se Renda do Jogo; Dane-se Conforto, Dane-se Gramado, Dane-se Futebol Gourmet... Dane-se Figo, Ronaldo, Zidane (não podia perder a piada). Mando do Villa Nova no Mineirão é um atentado ao Jogo. A Casa do Villa é o Alçapão do Bonfim, das canchas mais hostis e mais Folclóricas de Minas Gerais (Carlos Alberto Parreira que o diga).  Tirar o Villa do Alçapão é contribuir para a dissolução, para a morte do ponto central desse breve texto – A TRADIÇÃO.

Estádio Castor Cinfuentes, o Alçapão do Bonfim - Fonte: Wikimapia
Estádio Castor Cinfuentes, o Alçapão do Bonfim - Fonte: Wikimapia
OBS 2: Fugindo um pouco do futebol, a interação desses ingleses (alguns mineradores, outros comerciantes) com os residentes das Gerais também criou algo extremamente importante para a identidade do Estado, talvez um dos maiores patrimônios da história oral das alterosas. Falo de um monossílabo composto de três vogais usado por 11 de cada 10 mineiros – o nosso “UAI”. Os moradores dos arredores das lavras de ouro instintivamente mimetizaram o “WHY”, escutado muitas vezes de ingleses.  A medida que o tempo passou, o termo se tornou um integrante permanente do nosso “mineirês”.

OBS 3: Villa Nova 2 x 7 Atlético. Que o Villa Nova ha pelo menos uns 50 anos não é um desafio técnico todos já sabemos. Contudo uma goleada desse quilate é o mínimo que se espera de uma equipe tecnicamente superior ao encontrar um adversário fraco. O teste de Diego Aguirre foi bem sucedido. O 4-1-4-1 - Uilson, Rocha, L.Silva (Edcarlos), Tiago, D.Santos (C.Cesar), Carioca, Urso, Donizete, Clayton, Robinho e Prato - com três volantes compondo o miolo (Carioca a frente da zaga, qualificando a saída de bola, Donizete e Urso alinhados criando espaços no momento ofensivo e destruindo as investidas adversárias no momento defensivo) deu grande consistência ao meio campo. O Galo executou com simplicidade dois conceitos básicos do futebol moderno: compactação entre linhas, e pressão coordenada na bola - puro ataque ao espaço. Individualmente, Robinho novamente mostrou que ainda tem um olhar bem afiado nessa terra de cegos, que se tornou futebol brasileiro; Clayton demonstrou muita qualidade na direita, o garoto João Capixaba, oriundo da base alvi-negra, deu seu cartão de visitas com muita velocidade e dribles rápidos; e por fim Lucas Pratto finalmente traduziu em gols toda sua capacidade ofensiva - o sétimo gol foi uma pintura, demonstração genuína de força e técnica.

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