Chegando em Wembley Park com 2min e 27seg de atraso, encontro João
Castelo Branco sentado num banco, como se fosse uma pessoa comum. Para mim, ele
é muito mais que isso. JCB pertence ao seleto grupo de jornalistas que eu mais
admiro, só comparado ao Paulo Vinícius Coelho (Fox Sports) e o escritor Marcos
Eduardo Neves, autor de “Nunca houve um
homem como Heleno”. Os dois últimos eu conheceria depois – PVC foi um dos
meus entrevistados para um livro e Marcos eu conheci pessoalmente no Rio de
Janeiro -, mas com João foi especial.
Ele abriu um sorriso tímido ao me ver e andamos alguns metros em direção
à linda entrada principal do palco da final da Copa de 1966. Reformado no
início dos anos 2000, Wembley recebe as fases finais da Copa da Inglaterra há
quase 100 anos e jogar no estádio é um privilégio para poucos. Cansei de ver
times comemorando como um título o fato de ter jogado há anos atrás no estádio,
nas Copas Inglesas ou em torneios de acesso. Logo de cara fiquei impressionado
com a funcionalidade do meu ídolo. Eu não fazia ideia que ele filmava e editava
tudo sozinho. Achei que em grandes partidas ele tivesse equipe de apoio, ou ao
menos um cinegrafista. Com muita desenvoltura, entrevistava os torcedores do
Crystal e MUTD que chegavam e me senti um felizardo de poder vê-lo em ação in
loco.
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(Foto: Mauro Tavernard) |
Na fila das credenciais, enquanto via seguranças brutamontes revistando
jornalistas e vários detectores de metais, comentava como achava o apresentador
Gary Lineker um “arrogante borra botas,
chato pra cacete”, e João pediu para eu falar mais baixo. Afinal, Lineker
poderia estar naquela fila. Vi os ex-jogadores Henry e Rio Ferdinand,
comentaristas de televisão, sentindo por dentro muita vontade de pedir um
autógrafo ou falar um despretensioso “how are you? I’m a big fan!” (como vai
você? Sou seu grande fã!) ou algo assim, mas preferi manter a seriedade, como
se estivesse acostumado a cobrir jogos daquela magnitude toda semana. Entramos
no estádio com três horas de antecedência e parecia que eu estava sedado. Não
podia crer que aquele começo de ano pudesse ter sido tão incrível, com
fechamento épico ao lado de um dos maiores repórteres esportivos do Brasil.
Foram incontáveis matérias que assisti do JCB pela TV, quase todos os
dias durante vários anos, e ali estava eu, com ele na cobertura de um jogo do
time do Rooney e De Gea! Num determinado momento, achei que não sentia minhas
pernas. Um filme passou pela minha cabeça, com vários erros e acertos que havia
protagonizado na minha vida. Parecia que cada fiapo de coisas boas e ruins me
levaram para aquele momento, e mesmo minhas piores cabeçadas pareciam suaves,
mas leves que a moderna camisa “high tech” dos atletas. Viagem total por alguns
segundos.
Voltando a realidade, entrei na sala de imprensa do local e tratei de
postar a foto minha e do João na frente de Wembley no facebook. Em seguida,
pesquisei algumas informações que ele pediu e depois fomos comer antes da
correria que nos esperava. O cardápio era 100% inglês, com o tradicional “fish
and chips” (peixe com batatas), assim como purê de batata e outras guloseimas.
Comemos rápido e fomos para as arquibancadas, ainda vazias, para ele fazer sua
primeira de muitas passagens ao vivo durante o dia. Eu apenas segurava o
computador e regulava o áudio para ele, enquanto o repórter falava com os
repórteres do canal, que estavam em São Paulo.
Depois de uma conversa que teve com produtores da ESPN, reclamando de
alguma coisa que eu não lembro o que era, ele me chamou para descermos para nos
acomodar numa das cadeiras atrás de um dos gols, logo após a torcida, no
gramado. Após mega abertura, ao estilo Copa do Mundo e Olimpíadas, o jogo
finalmente começou. Estávamos entre a torcida do Crystal e o goleiro De Gea,
situados milimetricamente no meio do gol do Manchester. A partida em si foi bem
abaixo das expectativas, com o time de Louis Van Gal apresentando um futebol
pobre, sem recursos ou jogadas criativas, apesar de bons jogadores, e o Crystal
partindo para cima, mas sem a técnica necessária para arrematar o jogo. A
torcida do Palace fazia muito mais barulho que a do United e eu já esperava por
isso. Geralmente equipes menos badaladas têm torcidas forte na Inglaterra, pois
times como Arsenal Chelsea e Manchester têm muitos fãs estrangeiros, tipo os
sheiks árabes que eu vi descendo de helicóptero vindo de Dubai apenas para
assistir a partida.
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(Foto: Mauro Tavernard) |
João pediu para eu avisá-lo de alguma situação ou cena curiosa para ele
registrar com sua atenta câmera. Pediu também para eu não levantar em hipótese
nenhuma do banquinho em que estava durante o jogo, pois a torcida poderia
reclamar. Tudo correu maravilhosamente bem e o único “porém” foi um jornalista
que estava do nosso lado. Ele ficou me olhando torto o jogo inteiro, talvez por
achar, pela minha aparência, que eu fosse sírio, e ele, xenófobo, não me achava
digno de estar ali. Não importa. A torcida do Crystal e do Manchester foram
atenciosas comigo e bati várias fotos com eles, mas confesso que estava
torcendo para o time do subúrbio de Londres.
Senti que para os torcedores do Palace, aquele momento era único. Talvez
eles tivessem uma nova oportunidade dessas daqui há 50 anos, vai saber. Muita
gente chorava de emoção, apenas por estar ali, no lado azul, vermelho e grená
do estádio, ao passo que no lado vermelho e preto a massa só se preocupava em
pedir a cabeça de Van Gal, implorando para a contratação de José Mourinho,
ex-Chelsea. Depois de dar algumas bocejadas no tediante segundo tempo, me
perdendo no show visual proporcionado pelos 88.619 espectadores, sou “acordado”
pelo gol de Puncheon, do Crystal, aos 33 minutos, com empate de Mata três
minutos depois. O placar igual forçou a prorrogação e o jogo sem graça se
transformou num banho de bola.
O reserva Jesse Lingard, com um petardo de fora da área, decretou o
final da partida: 2 a 1 United, com os Diabos Vermelhos conquistando seu
primeiro título pós Alex Ferguson. Rooney, Rashford e Cia estavam se preparando
para levantar o troféu na tribuna do príncipe quando João me deu a bomba:
Mourinho já estava contratado, todos já sabiam – menos Van Gal, do qual Mou foi
pupilo no Barça dos anos 90. Corremos para o setor da coletiva de imprensa, que
estava lotado mesmo com 30 minutos de antecedência para as entrevistas dos
treinadores. Alan Pardew foi o primeiro, usando seus dez minutos para elogiar
de forma efusiva seus jogadores e puxar o saco dos dirigentes. Quando Van Gal
chegou, o silêncio imperou na sala. Os jornalistas se entreolhavam, com um
misto de pena e perplexidade. “Como podem
fazer isso? Ele acaba de ganhar o título e o despedem!”, comentou um
repórter. João filmava tudo e eu apenas assistia ao treinador ser irônico e
responder a todas às perguntas de forma franca, ao lado de uma assessora de
imprensa com cara de poucos amigos. No fim, ele surpreendeu todos e disse “obrigado”. Ninguém o havia congratulado
pela conquista do título.
A notícia inesperada fez João e eu subirmos correndo rumo à sala de
imprensa, da qual ficamos até às 23 horas. Exausto, saí com ele do estádio
pensando em tomar uma pint (copo grande de cerveja) com ele, esquecendo
completamente que eu não tinha um pence (centavo) furado na carteira. Despedimos-nos
e eu agradeci efusivamente pela oportunidade incrível. Tinha a consciência de
que, assim como os torcedores do Palace naquele dia, não sabia ao certo se
teria outra chance daquela. Antes de ir para a estação Wmbley Park e voltar
para o bairro mulçumano, pedi uma entrevista exclusiva com ele para
publicar num jornal da minha cidade. Após meses de espera, ele conseguiu um
tempinho para responder às minhas perguntas. O resultado você confere
abaixo:
1. Você mora há mais
de 25 anos na Inglaterra. Como foi seu início no país e quais foram suas
maiores dificuldades de adaptação?
JCB: Maior dificuldade foi aprender inglês. Mas vim muito
jovem, e com 10 anos de idade fica bem mais fácil aprender. Hoje falo com
sotaque Londrino. Ainda sinto falta do sol e do calor durante o inverno daqui.
Inverno é muito longo.
2. Você vem de uma
família de jornalistas, sendo filho de Jose Trajano. Isso o influenciou a
escolher sua profissão?
JCB: Sim, eu tenho o jornalismo na veia. Cresci com isso
por perto então claro que teve muita influência. Mas não pretendia ser
jornalista. Busquei outros caminhos. Estudei ciências sociais, mas o que me
trouxe de volta ao jornalismo foi um gosto por fotografia e imagens. Acabei
virando câmera. Começou assim.
3. Como você lida com a frieza dos ingleses?
Ainda possui amigos do Brasil ou visita seu país de origem com frequência?
JCB: Tenho alguns amigos de infância no Brasil e alguns
de trabalho. Mas eu cresci aqui, fiz escola e faculdade na Inglaterra, então
tenho minha turma daqui também. Às vezes demora para entender os códigos
culturais deles por ser outro estilo, mas tenho amigos muito bons que considero
irmãos aqui. De repente já virei meio inglês também.
4. Como e quando foi
seu início de carreira? Quais foram suas primeiras experiências profissionais e
quando você foi contratado pelos canais ESPN?
JCB: Após a faculdade ainda estava um pouco sem saber meu
caminho. Minha mãe notou meu interesse por câmeras e sugeriu um estágio com um
amigo nosso no escritório da Globo em Londres. O câmera Sergio Gilz era meu
amigo gostava de mim, por isso virei assistente dele. Ele me ensinou a filmar.
Começou assim. Por volta de 2002 eu fazia fretas para a Globo e começaram a
chegar jogadores brasileiros no Arsenal, como Silvinho, Edu, Gilberto Silva. E
comecei a fazer umas entrevistas para ESPN, já que começaram a dar mais espaço
para Premier League. Fui evoluindo na ESPN. Eventualmente virei vídeo-repórter.
Até 2012 eu era freelancer e tinha outros clientes. A partir da Olimpíada de
Londres fiquei fixo, só com a ESPN-Brasil como correspondente.
5. Na final da Copa
da Inglaterra de 2016, no estádio de Wembley, eu tive a oportunidade de vê-lo
em ação de diferentes formas, e confesso que fiquei impressionado com seu
estilo "multi-tarefas". Além de filmar, apurar e entrevistar, quais
outras funções você exerce e quanto tempo dura, em média, cada uma de suas
matérias?
JCB: Depende muito da matéria. Algumas consigo fazer
rápido, em algumas horas, já outras precisam de mais trabalho para escrever,
capturar ou editar e podem demorar uns dois dias, um de apuração e captação e
outro para escrever e editar. Cada vez mais os jornalistas precisam se virar
para fazer um pouco de tudo, é uma tendência do mercado e também dos meios de
comunicação cada vez mais as plataformas são multi-mídia.
6. Como é a sua
rotina? Você elabora matérias todos os dias? Elas partem apenas de você ou
também da produção do canal?
JCB: Muitas são ideias minhas, mas a produção do canal
também dá boas sugestões.
7. Notei você com
mais desenvoltura diante das câmeras nos últimos anos. Converso com algumas
pessoas e elas também concordam comigo, que seu trabalho atingiu um nível alto
de qualidade, com poucos profissionais do Brasil neste patamar. Para você, este
nível pode ser adquirido no início da vida jornalística de um repórter ou
requer tempo?
JCB: Acho que diante da câmera só com o tempo mesmo.
Precisa de experiência. Claro que para uns pode acontecer mais rápido, mas pra
mim não foi tão natural. Principalmente por não ter estudado isso e pela
distância do Brasil e pouca pratica com nosso idioma após tanto tempo aqui.
Demorou muito para ficar mais à vontade em frente da câmera. Mas isso depende
muito da pessoa. O importante é estar bem informado.
8. Enquanto muitas
pessoas possuem rotinas entediantes e estressantes, sem prazer nas suas
profissões, você viaja a Europa atrás dos maiores campeonatos de futebol do
mundo, entrevistando sempre atletas famosos e de alto nível. Você se sente um
felizardo por isso? E quanto aos pontos negativos, quais são os momentos
difíceis do seu trabalho?
JCB: Gosto muito de matérias de comportamento, como a que
fiz mostrando como é a torcida do Crystal Palace e do Clapton FC ou mostrando a
rivalidade de West Ham x Milwall. Também tenho orgulho da série durante a Copa
do Mundo, chamada "João no Mundo", mostrando outros países assistindo
a Copa.
9. Você viaja
bastante. Isso te prejudica na vida pessoal?
JCB: Sei que tenho um grande privilégio, uma posição que
muitos gostariam de ter. Tento apreciar. Gosto do meu trabalho. Mas trabalho é
trabalho e todos tem dificuldades. Teve épocas que viajava até demais e não foi
fácil na vida pessoal com filhas pequenas. Quase que a casa caiu!
10. Você é torcedor
declarado do Arsenal. Ainda tem tempo de ir nos jogos? Qual a sua opinião sobre
o trabalho de Arsené Wenger e o futuro do clube nesta temporada?
JCB: É frustrante ser torcedor do Arsenal nos últimos
anos. A história se repete. Respeito muito Wenger por tudo que ele fez.
Gostaria de ver ele sair por cima. Vou sempre que possível ao Emirates Stadium
torcer pelos Gunners.
11. Você mora em
Londres, cidade que possui várias equipes de futebol importantes. Qual equipe,
de maneira geral, possui a torcida mais fanática. E, dentre os grandes, qual
possui torcida faz menos barulho no estádio?
JCB: A do West Ham e a mais barulhenta dos grandes e a do
Crystal Palace, um time do subúrbio de Londres, também é sensacional. No
Emirates, estádio do Arsenal, o clima decepciona, infelizmente. Às vezes
prefiro ir num pub com amigos ver algum jogo do meu time. Parece mais animado
que lá.
12. Quando estava com
você em Wembley, fomos surpreendidos pelo Príncipe Wiliam e sua guarda Real,
que saiam do estádio bem na nossa frente. Além desse, quais foram outros
momentos curiosos da sua carreira? Conte-nos alguns.
JCB: Já cruzei com muitas celebridades, você acaba
acostumando e vendo que são pessoas normais. Nesta profissão não dá para se
deslumbrar com isso, mas algumas personalidades respeitáveis são sempre bacanas
de interagir, principalmente quando eu as admiro. Quando eu ainda trabalhava em
pubs aqui (Inglaterra) eu servia o Jude Law e outros atores no na rua Camden
Street.
*Mauro Tavernard é
jornalista e escritor. Autor do livro “Alcino Negão Motora – A História do
Gigante do Baenão”, ele também foi assessor de imprensa do Clube do Remo e
repórter dos jornais O Liberal/Amazônia, entre outros trabalhos.
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