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Sonho de moleque...REALIZADO!


Dos 210 milhões de brasileiros, chutaria que pelo menos uns 130 um diria jĂ¡ sonharam em serem jogadores de futebol.

Dos 130, uns 25 sĂ£o rubro-negros. Nivelando muito por baixo.

Todos, absolutamente todos eles, sonham pelo menos uma vez em jogar pelo Flamengo, fazer um gol no MaracanĂ£ e ter o nome gritado pela torcida. Ontem, anti-vespera do dia das crianças, foi dia de realizar sonhos.

Qual a chance?

De um menino do complexo do alemĂ£o. Desses que vivem em um Rio de Janeiro escondido a cĂ©u aberto. De lĂ¡ do alto dos morros, pra onde ninguĂ©m olha, o menino olhava pro mundo e sonhava alto

Tantas foram as peladas ele jogou com os pĂ©s descalços. Tantas foram as vezes que levou broncas da mĂ£e por causa da sujeira na sola dos pĂ©s. Tantas foram vezes sonhou que aquela caneta no amigo da rua de cima fosse visto por um MaracanĂ£ inteiro. 

Tantas foram as vezes em que comemorou no golzinho de chinelo como os jogadores do Flamengo que via na TV nos domingos e quartas?

Um dia alguĂ©m o vĂª. DaĂ­ a vida muda de cabeça pra baixo. Te leva pra base do seu rival, te coloca o peso da promessa, te coloca a responsabilidade de tirar a famĂ­lia da pobreza e te apresenta um mundo de possibilidades. AtĂ© de fazer gol no seu prĂ³prio time.

VocĂª vai pra Europa, faz sucesso, ganha dinheiro e com 24 anos jĂ¡ fez muito mais do que qualquer um esperava lĂ¡ no inĂ­cio, nos asfaltos enviesados pela subida do morro.

Mas sonhos de menino nĂ£o sĂ£o feitos de nĂºmero ou de dinheiro. Sonhos de menino sĂ£o feitos de glĂ³ria, de gritos, de felicidade. De perfeiĂ§Ă£o.

Faltava o clube de coraĂ§Ă£o. Se nĂ£o der certo tudo bem, mas que legal seria se depois de tudo, pudesse jogar no Flamengo?

E um dia a chance aparece. VocĂª vira a contrataĂ§Ă£o mais cara da histĂ³ria do clube. Aparece no MaracanĂ£ lotado como Ă­dolo. A hora chegou. Aos 24, os sonhos de menino parecem estar mais perto do que nunca.

Mas, como todo sonho, se fosse fĂ¡cil nĂ£o teria tanta graça. De tĂ£o perto, seu sonho dispara para o ponto mais distante possĂ­vel. Da possibilidade de ser amado, vocĂª passa a ser odiado.

Vaiado. SĂ­mbolo da frustraĂ§Ă£o. Isso tudo em pouquĂ­ssimas semanas. 

SerĂ¡ que depois de tudo, nĂ£o iria conseguir? Depois de sair de onde saiu, de passar por todas etapas, ia faltar tĂ£o pouco?

Nada como o tempo. O tempo que dĂ¡ oportunidade ao menino. O tempo que dĂ¡ oportunidade tambĂ©m ao homem. 

Passa um ano e outros tomam o seu lugar de depositĂ¡rio da esperança. De estrela, vocĂª vira coadjuvante. Da pra começar a sonhar de novo aos poucos.

A chance surge.

MaracanĂ£ lotado. Jogo grande. As estrelas de fora.

É o dia. É o seu jogo. É a hora de realizar.

E tudo era adequado. O Flamengo faz uma campanha de dia das crianças, e o nĂºmero na camisa parece desenhado por um menino qualquer.

Eu imagino Vitinho no vestiĂ¡rio antes do jogo, olhando o nĂºmero e o nome na camisa, pensando nos desenhos que fazia em casa, em que ele vestia o manto e sonhava com seu nome escrito nas costas.

Entra em campo e a torcida faz festa. A massa sobe, seu nome Ă© gritado e coro come lĂ¡ embaixo.

E tudo começa bem. Dos seus pés sai o cruzamento que faz Flamengo 1x0. É hoje.

Mas quando tudo parece perfeito de novo, o empate do time adversĂ¡rio aparece em um jogada fortuita.

De novo nĂ£o vai dar?

Ah, mas vai ter que dar. 

"Ih AlĂ¡! Olha o Vitinho! Diz que joga a beça mas nĂ£o sai aqui da favela!"

Bola perto do meio fio. Quase batendo na parede que fecha a rua. O chinelo tĂ¡ lĂ¡. Vitinho sĂ³ olha pra ele.

Cinco zagueiros na frente. Cinco garotos descalços na frente do golzinho.

"Vai Vitinho!" - a mĂ£e grita da janela

Arranca pra cima do primeiro

"Vai Vitinho!"

Passa e pisa na pedra no chĂ£o da rua. Dane-se. Eles tĂªm que ver como eu jogo.

Outro vem. Que nem RomĂ¡rio, ele pedala.

"Vai Vitinho!"

Vai pra esquerda. Tem uma parede. Volta pra direita. Daqui da.

"VAI VITINHO!"

O tapa e tĂ¡ lĂ¡. Mas ao invĂ©s de passar por cima do chinelo, ela bate na rede.

No lugar do grito de gol da mĂ£e seguido dos sons normais da favela, surge o barulho de um vulcĂ£o.

Vitinho olha pra baixo e vĂª a grama. Olha pra cima e vĂª a massa. E a massa olha pra ele. E o vĂª.

Golaço. Daqueles que aquele fazia quando driblava todo mundo na ruela do morro. 

Mas agora todo mundo vĂª. Agora, nesse exato momento, todo mundo quer ser Vitinho. Um milagre.

O sonho estĂ¡ realizado. Desde pequeno o que ele sempre quis era chegar aqui. NĂ£o falta mais nada. 

Na comemoraĂ§Ă£o do dia das crianças nada mais perfeito que Vitinho realizar seu sonho. Pra ficar melhor ainda, Reinier tambĂ©m realizou o seu.

Ele agora é o Vitinho jogador, mas é também aquele menino que jogava descalço e sonhava alto.

E hoje, na favela, outro garoto mete o gol no chinelo, comemora gritando "AQUI É VITINHO!" e o ciclo continua.

Feliz dia das crianças. Que as crianças continuem sonhando e que os adultos realizem seus sonhos de criança.

No mais, 
Saudações rubro-negras.

(Imagem: Alexandre Vidal/Flamengo)

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