A memória no futebol não passa de uma questão de
narrativas. Por isso, no embargo do futebol brasileiro, tanto se fala do ‘DNA’
rubro negro, da raça corintiana e de tantas outras falas. E, se estamos falando
de narrativas, como não falar do Gigante da Colina? O Vasco é um time multicampeão,
que montou algumas das melhores equipes do futebol brasileiro: desde o Expresso
da Vitória (das décadas de 40 e 50) até o super-time de fins da década de 90.
Um time pioneiro na luta contra o racismo, e de tantas glórias, é verdade.
Mas a história, como a Fortuna, não costuma ser tão
bondosa. Desde o início dos anos 2000, o gigante não consegue atingir o patamar
que historicamente lhe é de direito. Os anos enlameados do Vasco começaram após
a histórica conquista do Mercosul. Vítima de péssimas administrações políticas,
o clube foi do céu ao inferno: se viu na condição de ter que disputar a série B
três vezes, e outras mais lutou para não cair da primeira divisão.
Tirando um lampejo de grandeza – nos anos de 2011 e
2012 –, quando conseguiu alcançar um nível de primeira no futebol nacional e
continental, a história recente do cruz-maltino está, de fato, mais próxima da
tragédia do que do épico.
O início do brasileirão deste ano indicava mais
dores de cabeça ao torcedor. Já na 7ª rodada, o clube não tinha uma vitória
sequer, e ocupava a última posição no campeonato. Se hoje o Vasco ocupa a 11ª posição
– e com relativa estabilidade – é porque passou pelas mãos de Luxemburgo, que
tem trabalhado bem com o pouco material humano que possui. Não se pode esperar
milagres com o plantel do Vasco, e as claudicações são naturais considerando as
insuficiências; mas, ainda assim, o time faz campanha digna neste campeonato.
Não é uma questão de orgulho. O vascaíno conhece a
sua história: sabe que jamais poderia se orgulhar com o meio de tabela – a posição
histórica do clube é o topo! Mas, com o mínimo de realismo, o vascaíno compreende
que não são mais Juninho e Edmundo em seu elenco; e, com os jogadores que
possui, é importante ter humildade e ponderação para reconhecer que a briga do
Vasco não é a do título.
Porém, com poucos recursos e política em ebulição, o
clube conquistou alguns feitos. Há mais de um ano sem ganhar fora de casa, o time
conquistou algumas neste campeonato (inclusive contra o Inter, no Beira-Rio, superando
um tabu de 12 anos). Acostumado a ser goleado, o time do Pofexô aprendeu a ser
aguerrido: arrancou pontos do Palmeiras fora de casa, venceu o Inter lá e em
casa, e bateu outros grandes – São Paulo, Fluminense, Botafogo... O Vasco,
depois de anos sendo feito de chacota, precisa recuperar o respeito. E isso
passa, obviamente, pela recuperação de um time minimamente competitivo.
Ninguém diz que esse Vasco é fora de série. Mas a
questão é que a melhora de uma instituição não parte de uma revolução: é um
trabalho contínuo, gradual, pensado. Pra sair lá de baixo e voltar pra cima, é
necessário passar pelo meio de tabela (onde o clube está agora).
Mais uma vez, repito: não é uma questão de orgulho
da equipe nessa temporada, mas de reconhecer um trabalho que visa à recuperação
da imagem desgastada do clube. Com tão parco elenco, Luxa montou um time razoável,
considerando as insuficiências. Agora, é reconhecer o bom trabalho que um dos
mais vitoriosos técnicos do Brasil faz com o que tem. E apoiar o contexto de
luta pela recuperação do respeito e da credibilidade.
Ontem, depois do histórico Flamengo 4 x 4 Vasco,
Luxa mandou a letra: “Estamos brigando por manter a dignidade”. O orgulho, se o
trabalho for bem feito, pode vir depois. Agora, a luta é óbvia: é uma mera questão de dignidade.
4 Comentários
Excelente falou MT bem e nada melhor de buscar nossa dignidade
ResponderExcluirTexto limpo, transparente, coerente e verdadeiro. Orgulho de ser Vascaína!
ResponderExcluirCaramba!!! Além de saber o que diz, escreve muiito bem.
ResponderExcluirQueria que mais pessoas na mídia, na política, quem sabe, num sopro utópico, todos nós, se expressar tão bem....
Exatamente. Saber se expressar e captar nossa atenção desse jeito hoje em dia, chega a ser improvável, e, muitas vezes, quase impossível. Parabéns Rodrigo Bandeira.
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