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Política e Futebol: Aula de Sófia para Thiago Leifert



No dia 26 de fevereiro de 2018, Thiago Leifert (ele mesmo) escreveu uma crônica defendendo a soberania dos esportes frente aos outros acontecimentos da sociedade. Sua reclamação era ampla, ele questionava desde atletas que se posicionavam politicamente até o Hino Nacional que é tocado antes de eventos esportivos em boa parte do território nacional.
O atual apresentador do BBB não entende que as entidades esportivas são agentes ativos ou passivos da história, a realidade de uma região influencia na trajetória de atletas e clubes. Thiago Leifert errou o alvo de sua análise, atletas e clubes são frutos de seus respectivos tempos, suas atitudes e desfechos fazem parte de um movimento bem maior, a história.
Para ilustrar meu posicionamento, coloco aqui a trajetória do segundo clube mais popular da Bulgária. O CSKA Sofia, mesmo antes de nascer oficialmente, já teve boa parte do seu destino traçado por uma série de acontecimentos. Vamos começar essa história pelo clube que originaria esta agremiação.

(Escudo do OSK AS-23)
Em 28 de outubro de 1923, 3 clubes de Sofia se fundiram: Athletic Sofia, Slavia Sofia e Officer Sport Club Sofia. O resultado dessa união  foi o surgimento do Ofitserski sporten klub Atletik-Slava 23, conhecido como OSK AS-23. O primeiro presidente do clube foi um tenente-general chamado Nikola Karagyozov.

Nos primeiros anos da década de 30, o campeonato nacional búlgaro era dividido por regiões, o campeão da cada região se enfrentava em uma fase de "mata-mata"para que o titulo de campeão nacional fosse decidido. Na temporada 1930-1931, o OSK AS-23 foi o campeão local de Sófia e conseguiu chegar na final do torneio, ocasião em que venceu o Spartak Varna por 3x0. As glórias não cessaram por ai, 10 anos depois eles conquistaram a Taça da Bulgária, segundo e último título desta instituição.
Apesar dessa última taça, aquela temporada ficou marcada por ser um período triste para a história do clube e da Bulgária como um todo.

No início da década de 1940, a Bulgária era liderada pelo Czar Boris III que mantinha relações estreitas com a Alemanha Nazista, porém, o governante se mostrava relutante em participar do conflito mundial apoiando Hitler. Esse cenário mudou em 1941, tropas alemãs se posicionaram na fronteira búlgara e forçaram a entrada daquele país no conflito ao lado do Eixo, muitos atletas do OSK AS-23 foram convocados para integrar o exército nacional e uma crise financeira se estabeleceu no clube. Como já era um clube relevante para o futebol local, a Brannik  (organização criada pelo primeiro-ministro búlgaro Bogdan Filov para doutrinar os jovens daquele país na ideologia fascista) apoiou aquela instituição e ela conseguiu se restabelecer até o ano de 1944.
Neste mesmo ano, a Bulgária mudou de lado na guerra, um regime socialista assumiu o poder através de um levante, a Brannik foi extinta, Bogdan Filov foi executado e o OSK AS-23 teve que se fundir com o Shipka-Pobeda e o Spartak Poduene para poder nascer, sobreviver e escapar do seu passado ligado a figuras fascistas em um país socialista. Desta forma, nasceu o Chavdar Sofia.
(Escudo do  Chavdar Sofia)

Essa união foi orquestrada por Mihail Mihaylov, o contador do Ministério da Guerra e patrono do Shipka Sofia, ele nomeou (por telegrama) o presidente do novo clube. O seu colega general, torcedor do OSK AS-23, Vladimir Stoychev  estava liderando as tropas búlgaras contra o Eixo quando respondeu positivamento ao convite para se tornar líder e um clube de futebol. Aquele gesto tinha uma clara motivação política, mostrava a mudança de lado de um dos maiores clubes da capital de um país que sofria uma série de alternâncias naquele período de guerra.

Em 1948, a relação estreita entre o Chavdar e o Exército Búlgaro fez com que o clube se tornasse parte da "Casa Central de Tropas" ("Centralnia Dom na Voiskata"), um órgão ligado as forças armadas daquele país. Neste mesmo ano, o Chavdar venceu o seu primeiro título nacional batendo na final o time que se tornaria o seu maior rival, até os dias de hoje, o Levski Sofia.
Após uma série de alterações na estrutura interna do governo e no Ministério da Guerra, o Chavdar Sofia sofreu mais alterações em sua identidade. 3 nomes e 16 troféus depois, pela primeira vez aparece o as letras CSKA para definir o clube no ano de 1962.

O nome "CSKA" teve origem após mais uma fusão deste clube de Sofia, a CDNA  ("Casa Central do Exército Popular") geria esta instituição e uniu-a com outra equipe, o  DSO Cherveno Zname. Desta forma, finalmente apareceu o CSKA Cherno Zname, a equipe que representava o exército búlgaro e seus simpatizantes.

Até o fim da temporada atual, o CSKA Sofia é o clube mais vitorioso do futebol local, conta com 62 títulos conquistados em torneios domésticos. Além disso,o CSKA é o segundo clube mais popular do futebol local e costuma lotar o "Estádio do Exército Búlgaro", a arena em que ele manda os seus jogos na capital daquele país. 

A história desta potência do futebol da Bulgária nos mostra que não se pode misturar futebol com política, futebol é política. Não há a opção de separar essas duas entidades.

Um clube que nasceu para ser apenas uma agremiação esportiva foi engolfada pela 2ª Guerra Mundial, foi administrada por fascistas, virou  propaganda do governo socialista, tornou-se o clube do Exército Nacional e, por fim, mudou de nome 18 vezes até a presente data.

(todos os escudos do CSKA Sofia até o ano de 2020)

Thiago Leifert acompanha o futebol mais preso em sua imparcialidade tosca que aqueles que se encontram confinados na casa do BBB, pelo menos os "Brothers" escolheram estar restritos, já o Leifert se nega a olhar o futebol como ele é. 

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