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Um título desgostoso

Foto: Goal.com

Antes do texto, você já ouviu o último LinhaCast, o podcast do Linha de Fundo? Essa semana o tema foi a volta da série A1 do Brasileirão de Futebol Feminino. Clique aqui e ouça:

Quando vi a bola encobrir Muriel e morrer no fundo do gol aos 49' do segundo tempo de um FlaxFlu em uma final, minha reação foi de total e absoluta...

Inércia. Nem me mexi.

Em dias comuns eu sairia gritando na janela, como alguns vizinhos mais exaltados fizeram. E nem precisaria ser final de carioca. O simples fato de ser um FlaxFlu com gol no final de Little Victor, por quem tenho um carinho especial, seria o suficiente para me fazer escrever um texto todo especial de vitória rubro-negra. Despertaria aquela sensação gostosa de vencer o rival e, sendo essa final, daria um afago no peito ver o Flamengo rei do Rio de Janeiro mais uma vez.

Não que eu dê lá muita importância para o Carioca. Já faz tempo que ligo pouquíssimo para o título ou para os jogos. Não vou à arquibancada e sequer assisto algumas das pelejas. Mas no final, sei que vencer o carioca é uma sensação gostosa. É no estadual que a primeira paixão se forma, que os pequenos torcedores aprendem a odiar os rivais e a serem campeões pela primeira vez. É tradição, é charme, é alegria infantil. Me lembra a criança que há em mim, formada a base de vitórias sobre Vasco e Botafogo em finais de estadual.

Mas não. Ontem foi uma noite em que a fase adulta suprimiu toda a ingenuidade. Não havia ponto em comemorar o gol de Vitinho. Não havia ponto em festejar o estadual. Não havia ponto sequer em jogá-lo.

Afinal, qual a natureza dos títulos? Por que os clubes se mobilizam em torno deles e fazem seus torcedores comemorarem como loucos?

O que entra em campo é o orgulho. No dia seguinte, o rubro-negro chega no trabalho com peito estufado, vestido com uma imaginária (ou não) faixa de campeão carioca. A identificação com o clube cria nele uma alegria genuína, deliciosa, de ver-se mais importante e bem tratado. Felicidade pura.

Mas títulos são feitos de memórias e histórias, assim como tudo no esporte rei. Só há futebol porque existem torcedores, e só há torcida porque as lembranças são passadas de neto para pai, de pai para filho, e de torcedor para torcedor. Assim cria-se a identidade e a paixão, no orgulho das cores e das experiências vividas tendo, no caso rubro-negro, o prazer de vê-lo brilhar.

Ontem, porém, nada disso existiu. Não havia rubro-negros no estádio, não se juntaram os torcedores para comemorar em festa (eu espero), e não houve qualquer memória sendo criada. No máximo um pai sentado no sofá de casa com o filho, pra quem o jogo sem torcida não faz a menor diferença. No FIFA ou no botão pelo menos ele pode controlar os bonecos. Tem mais graça.

A história do rubro-negro ontem a noite é a de passar a noite recebendo as últimas notícias de uma pandemia que parece não acabar e ligar a TV sozinho para ver um jogo chato, sem emoção e sem significado.

Ou pior, com um simbolismo nefasto. A história do campeonato carioca de 2020 será a de um torneio sem sentido, insensível, perigoso e deslocado da realidade. Já história do Flamengo no carioca de 2020 será a de um clube que só jogou para a ampla maioria de seus torcedores na final, que fez trapalhadas atrás de trapalhadas, forçou a volta do futebol colocando vidas em risco, e escancarou sua face mais mesquinha e elitista. 

E não se esqueçam: esse carioca ainda foi permeado por polêmicas envolvendo o destrato do clube com as famílias da tragédia do ninho do urubu após completado um ano do incêndio.

Se dentro de campo o time foi brilhante, fora dele a diretoria fez de tudo para tornar tudo difícil de comemorar. E ontem, nem gosto de ver o time jogar eu tive, dada a atuação preguiçosa e sem graça. Não foi uma questão de odiar ou repudiar o título. Simplesmente não tive prazer. Foi um desgosto.

Por isso, quando a bola de Vitinho entrou, não pude me importar menos. Flamengo campeão carioca de 2020. Um título totalmente irrelevante e sem propósito.

No mais, 
Saudações Rubro-negras

Por Gabriel Félix
Colunista do Flamengo no Linha de Fundo.

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