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Entre a mesquinhez e a utopia: os garotos que foram mais adultos do que seus dirigentes.



(Foto: ReproduĂ§Ă£o)

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Admito o dilema: depois do jogo de ontem, deveria rasgar a ceda dos meninos do Ninho ou descer a lenha na direĂ§Ă£o do Flamengo.

Sim, porque Ă© Ă³bvio o a escalada de vexames e absurdos cometidos pela direĂ§Ă£o do Flamengo - desde o inĂ­cio deste ano em especial, ainda que jĂ¡ venham sendo frequentes desde o ano passado.

No Ăºltimo domingo, ela ainda contou com a ajuda do Palmeiras, da CBF e da Justiça na sequĂªncia de trapalhadas, lambanças e irresponsabilidades que fizeram rubro-negros e alviverdes entrarem em campo ontem.

A questĂ£o Ă© simples, e Ă© reforçado no inĂ­cio de cada uma das colunas rubro-negras deste site: "Este campeonato nĂ£o deveria estar acontecendo." Ontem ficou muito claro o porquĂª.

DesnecessĂ¡rio dizer que tudo começa quando o Flamengo pressionou as instituições pela volta do futebol. Foi exatamente por isso que o Flamengo virou chacota nas redes sociais e fez torcedores rivais torcerem para que houvesse jogo e uma goleada histĂ³rica acontecesse.

Repito o que jĂ¡ disse aqui: o Flamengo sempre foi um time odiado pelos rivais, a diferença Ă© que agora ele realmente dĂ¡ motivos para isso.

Se o Flamengo move mundos e fundos para adiar a partida contra o Palmeiras, o erro nĂ£o estĂ¡ em pedir o adiamento. O motivo para os ataques a diretoria estĂ¡ na incoerĂªncia.  

Qual foi a posiĂ§Ă£o da diretoria do Flamengo quando o GoiĂ¡s foi obrigado a jogar com mais de 10 jogadores infectados? Os cartolas rubro-negros apoiariam um possĂ­vel adiamento do jogo de hoje do Fluminense, com nove infectados?

Caso fosse um pedido isolado, eu consideraria a atitude inteiramente certa. Mas ela nĂ£o pode ser descolada do contexto e muito menos das atitudes.

O tentativa de postergar o jogo nĂ£o era por questões sanitĂ¡rias. Era por questões esportivas. A direĂ§Ă£o do clube nĂ£o queria perder para o Palmeiras.

Para enxergar essa obviedade Ă© sĂ³ lembrar que o Flamengo se direcionou para o Allianz Parque nĂ£o quando o TSJ decidiu pela realizaĂ§Ă£o do jogo, mas quando uma outra determinaĂ§Ă£o da justiça colocou a obrigatoriedade de isolamento total por quinze dias em ocorrĂªncia de WO ou adiamento.

TambĂ©m Ă© claro perceber que o mesmo tipo de raciocĂ­nio que abandona as responsabilidades de saĂºde COM SEUS PRĂ“PRIOS ATLETAS e prioriza a vitĂ³ria mesquinha sobre o rival se manifestou no Palmeiras ontem. E dona CBF fez questĂ£o de endossar.

Pior ainda Ă© o tribunal que, como uma terceira parte supostamente neutra, legitima uma loucura dessas.

Mas meu assunto aqui Ă© o Flamengo e a sequĂªncia de vergonhas que a direĂ§Ă£o protagonizou. Da pressĂ£o pela volta do futebol, a falha do protocolo infalĂ­vel, atĂ© a apineia de Landim e a demissĂ£o do fotĂ³grafo do clube.

Esse é o retrato da gente mesquinha e podre que domina a cartolagem brasileira. Os mesmos de sempre, é bom frisar, mas agora com apoio institucional do executivo e da justiça para sua sordidez.

A esta altura o que colega que se dispĂ´s a ler a fĂºria de um rubro-negro com sua direĂ§Ă£o pode concluir que, no meu dilema, decidi por ter Landim e seus blue caps como tema desta coluna.

NĂ£o sĂ³.

Pois vejam: a alegria com a atuaĂ§Ă£o dos garotos durante os 90 minutos estĂ¡ intrinsicamente a vergonha pela cartolagem, ainda que de maneira diametralmente oposta.

Enquanto BAP, Landim, Galiotte, CBF, Justiça sĂ£o sinĂ´nimo de incoerĂªncia, insensibilidade, egoĂ­smo, irresponsabilidade e tudo o que jĂ¡ foi descrito, os meninos sĂ£o exatamente a resposta a isso.

Quando a direĂ§Ă£o do Flamengo quis o adiamento do jogo, foi pelo medo de perder para o Palmeiras. Foi um recado claro aos garotos. 

"NĂ£o confiamos em vocĂªs".

Quando os meninos entraram em campo, foi dada a resposta.

É claro que tiveram ajuda enorme de um Palmeiras inoperante, e contaram com um uruguaio que botou o jogo debaixo do braço. As orientações vinham de um Gerson lĂ­der soberano do meio campo, com a ajuda de Thiago Maia, e a derrota foi evitada pela presença de Ă¡rea de um centroavante com nĂºmeros excelentes.

Mas o que esses garotos fizeram nĂ£o foi pouco coisa.

Imagine vocĂª, com 18 anos, vestir a camisa do Flamengo.

SĂ³ isso jĂ¡ me apavoraria.

Agora olhe as circunstĂ¢ncias.

Campeonato brasileiro, contra o Palmeiras (supostamente um dos melhores times do paĂ­s), no meio de uma pandemia, com confusões de diretoria e vocĂª sĂ³ foi avisado de que o jogo aconteceria de fato alguns minutos antes de a bola rolar.

É muita coisa.

Do lado do torcedor, foi demais.

Comecei o jogo enfurecido por ele estar acontecendo e no fim do primeiro tempo um sorriso jĂ¡ se espalhava pelo meu rosto.

Por quĂª somos tĂ£o encantados pela romĂ¢ntica ideia de um time formado por jogadores da base?

Simples. Garotos da base sĂ£o a pureza dos sonhos. 

Enquanto o mundo Ă© feio, pueril, mesquinho e podre, um moleque de 18 anos que disputa o seu futuro com o balanço das pernas e toque do pĂ©s remete a toda a inocĂªncia, ingenuidade e aventura dos nossos desejos mais profundos e sinceros.

Nos faz lembrar que algo de puro ainda existe no mundo.

Pros garotos Ă© muito mais do que isso. Vale a vida, a oportunidade fora da pobreza, o sustento da famĂ­lia e a chance de sair do anonimato.

Mas para o torcedor Ă© o que vale.

Os garotos do Ninho foram tudo o que a diretoria do Flamengo nĂ£o Ă©.

Foram o Flamengo que o torcedor quer ver.

Sem mesquinharia e sujeira.

Foram a utopia do rubro-negrismo sonhador.

Uniram landinistas e antilandinismo.

Ninguém consegue ficar alheio ao brilho no olho de um menino. Muito menos quando ele é tomado por sangue, como estavam os olhos de Guilherme Bala, que deixou tudo e mais um pouco em campo.

Como se manter inerte ao disfarçar de desespero tĂ£o claro nos olhos de OtĂ¡vio e Nathan, a dupla de zaga rubro-negra que, lembrem-se, nĂ£o foi furada. O gol alviverde foi uma dessas maldades dos deuses da bola. Me deram mais segurança que LĂ©o Pereira.

Era impossĂ­vel nĂ£o se encantar com a gradual ousadia de Ramon. Começou quieto e sumido, e foi virando um gigante na lateral-esquerda. Tem muito futuro o garoto.

E o que dizer sobre Hugo Souza, autor de defesa monumental no segundo tempo. Neneca, apelido de base, encantou os rubro-negros. SerĂ¡ um monstro de goleiro, apesar de lidar com a dificuldade de ser um goleiro negro no Brasil.

AliĂ¡s, reparem:

Todos os cinco garotos obrigados a entrarem em campo eram negros.

Todos os dirigentes de Palmeiras e Flamengo, que legislaram sobre o arriscar das vidas em campo, eram brancos.

E o juiz que decidiu pelo jogo, nĂ£o preciso nem ver o seu rosto para saber de que cor Ă©.

Meninos que entram em campo, dĂ£o a vida, e enchem o rubro-negro de orgulho. Poderiam ser mais deles atĂ©, se um incĂªndio nĂ£o tivesse ceifado a vida de dez deles no ano passado.

Jovens cheios de pureza no olhos. Tudo o que o torcedor do Flamengo nĂ£o consegue ver na sua cartolagem.

A foto de Hugo Souza no topo desta coluna traz um choro de significados. A tristeza da situaĂ§Ă£o, o alĂ­vio da pressĂ£o em que foi posto, e o realizar de um sonho sincero.

No mais,

Saudações rubro-negras.

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