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90 minutos de raiva, uma eternidade de alívio.


(Imagem: Extra Online)


25 de fevereiro de 2020.

Nos livros, almanaques, registros, "Baús do Esporte" e memoriais do nosso futebol está data sempre estará marcada pela segunda vez em que o Flamengo foi bicampeão brasileiro. Foi também o dia em que Rogério Ceni foi campeão no Morumbi contra o São Paulo, ou na qual o rubro-negro se tornou mais uma vez o maior campeão brasileiro na versão pós-1971. 

As crianças do futuro associarão a data à glória, os PVCs recordarão do feito histórico e os historiadores, dado o fato de que o Flamengo foi campeão carioca do lado de um hospital de campanha e foi campeão nacional no dia em que mais morreram brasileiros pela COVID-19, falarão sobre o campeão da pandemia. Tudo isso estará registrado em papel e folheado em ouro de glória.

Mas se não tiver um rubro-negro lá no futuro que tenha vivido realmente essa data, a raiva, absoluta raiva, experimentada e cuspida pela boca enfurecida, vai ser esquecida.

O mais atento às colunas sabe que este que vos fala já por vezes disse que o campeonato perde absoluta importância e graça sem um público. Sem festa, sem gente na rua, sem abraços entre desconhecidos e a alegria coletiva ganhando o asfalto do Rio de Janeiro.

Depois do jogo contra o Internacional no domingo, a virtual final, o jogo contra o São Paulo parecia só mais um rito burocrático do que qualquer outra. Era só mais um jogo pra sacramentar.

Mas essa podia ser uma crença da torcida. Não dos jogadores. 

Em 2009, a inspiração do roteirista de 2020, o jogo da final começou do mesmo jeito. O Flamengo dormindo em campo e com o adversário saindo na frente. Veio no intervalo a famosa frase de Andrade:

"Parece que pra nós não vale nada e que eles tão jogando pelo título".

Saber que há 11 anos o time voltou com tudo para a etapa final e liquidou o jogo era minha esperança enquanto o Flamengo não entrava em campo no Morumbi. O time era chato, modorrento, sem brilho e, na maior parte do tempo, inofensivo. 

Enquanto em outros jogos a qualidade dos jogadores sobressaiu os defeitos do esquema de Rogério Ceni, ontem a coisa estava indo pro brejo desde o início. Assim que percebi o São Paulo com três zagueiros e o Gabigol jogando encaixotado e isolado entre eles, já sabia que só um milagre ou uma bola parada fariam o gol.  A grande questão era não tomar.

Aí Hugo me fez aquela lambança. Mas é bom lembrar que não só ele. A falta de Éverton Ribeiro na meia lua da área foi uma das coisas mais juvenis que já vi em um jogo decisivo. 

E o Flamengo toma mais um gol de falta. Que carma.

No intervalo eu já estava de cabelo em pé. Pela pandemia e por mil fatores, ganhar já não era o mais importante. A questão era não perder o campeonato daquele jeito. Patético, pífio, ridículo. Se o Inter marca em Porto Alegre, seria um dos maiores vexames da história do clube.

Começa o segundo tempo e o time volta com outra rotação. Ótimo.

Bruno aparece e é caixa. Enquanto ele comemora, meu grito na janela de casa é muito mais de ódio pelo susto que o Flamengo me fez passar do que por alegria. Que maldito, cara! Precisava desse sufoco? Vamos que agora é nosso.

E pronto. Hugo faz outra lambança. Até ressuscitar o Pablo o Flamengo conseguiu.

Agora era só torcer pelo Corinthians. Do jeito que as coisas andavam e com o talento ceniano para mexer no time, o jogo tinha acabado ali.

Aí ele vem e me tira o Gabigol. Eu gargalhei alto.

Foram 40 minutos de infartos seguidos e seguidos e seguidos a cada vez que a bolinha pintava na tela da globo. Ô coisa maldita.

E quando Luís Roberto abria a boca dizendo "Em Porto Alegre..." eu fechava o olho e pensava no quarto rebaixamento do Vasco, para lembrar que tinha gente muito pior do que eu.

O tempo passa, o suor cobre todo o meu corpo, o coração palpitava na boca, e o cérebro não funcionava mais. 

O medo do papelão. O medo de retorno do maldito cheirinho. O medo por Hugo, que ainda carregava consigo o peso do goleiro negro e da acusação de instabilidade emocional atribuída a eles por agora setenta anos. Gol do Internacional era isso tudo.

E o pior. Todo esse desespero era totalmente desnecessário e era culpa do Flamengo horroroso que foi ao Morumbi. É de fato um relacionamento abusivo.

A sorte, a sorte mesmo, é que o contrato com o tinhoso é muito forte. Termina no Beira-Rio. O Flamengo foi campeão brasileiro pela oitava vez.

E para você ver o que é futebol. Eu estava absolutamente pistola.

PARA QUÊ ESSA TORTURA COM O MEU PSICOLÓGICO, MERMÃO???

O Flamengo definitivamente não é para amadores. Muito menos para preparados. Quem é rubro-negro tem a mente no lugar não. A julgar por este texto claramente sem pé nem cabeça. É isso que esses LINDOS E MARAVILHOSOS CAMPEÕES BRASILEIROS deixam a gente.

Aos poucos a raiva foi embora e a felicidade veio. O alívio foi desfazendo todas as sensações esquisitas do meu corpo. O sorriso veio com os meus, os memes e a live de Gabriel Barbosa. 

Agora sim eu posso me colocar no papel das crianças do futuro e aproveitar a felicidade.

Ontem foi dureza. Hoje, brindemos nossas glórias. Somos felizes de novo.


No mais,

Fora Rogério Ceni,

e saudações rubro-negras. 

Por Gabriel Félix,

colunista do Flamengo pelo Linha de Fundo.

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