De
todos os clichês que aplicamos - cotidianamente - na nossa vida, um não
encontra eco no futebol: “A primeira impressão é a que fica”. No futebol, esse
maravilhoso simulacro de emoções, a impressão que marca, que distingue, que
eterniza é a última. Onde você estava na hora do apito final de Dulcídio
Wanderley Boschilia? Em qual parte da arquibancada você viu Preto acertar
o ângulo de Zetti? O ato final é a marca indelével que caracteriza o título.
Nossa tradição de finais, nossa preparação para a teatralidade do último jogo,
nossa superstição precisa de data, horário, adversário e local definido. É uma
comoção que não pode ser diluída em 38 rodadas: Desejamos que ela esteja
concentrada como um extrato, queremos o sabor genuíno, sem suavizar o trago da
vitória arrebatadora. Eis o arrebite da nossa paixão.
O
Bahia precisava de um ato final lancinante para aplacar a dor da derrota na
Copa do Nordeste. E tinha todos os elementos necessários: Um placar
extremamente adverso, um algoz invicto e motivado, muitos olhares de
desconfiança, um teatro formidável e belo para se apresentar. O desafio -
gigantesco – poderia intimidar um clube de menor envergadura. Não o Bahia. A
história do Esquadrão é recheada de episódios desta magnitude, o manto é
cravejado de marcas deste passado glorioso, os heróis habitam e flanam no
imaginário da torcida apaixonada.
Ei-la: A bola da final do campeonato. Bahia a enfiou SEIS VEZES nas redes de Viáfara. [Foto: Felipe Oliveira] |
Seria extremamente injusto que a equipe
de Sérgio Soares deixasse como legado para a nossa memória duas derrotas em
finais nesse semestre. Foi um time que resgatou a estima que andava escanteada
pela sequência de temporadas de futebol anêmico e covarde. Um time que trouxe
de volta o protagonismo no campo, traduzindo em triunfos, gols, números, a
filosofia ofensiva e alegre que sempre caracterizou o Esporte Clube Bahia.
Nasceu para vencer. Não nasceu para jogar pelo resultado. Não nasceu para pôr o
regulamento embaixo do braço. Pagou caro quando perdendo por dois gols de
diferença no primeiro jogo, lançou-se ao ataque e sofreu o terceiro. Era
preciso provar que, mais que risco, aquele ato era a manifestação da nossa
natureza. E que reverter tal quadro seria o ciclo natural da vida. Mesmo que o
resultado não venha - como aconteceu na final em Fortaleza – a luta não cessa
até o trilar do apito. NINGUÉM nos vence em VIBRAÇÃO.
O semestre tricolor não merecia
desfecho menos épico. Tive oportunidade de viajar para acompanhar o time pela
Copa do Nordeste em Recife e Fortaleza. Viagens proveitosas, para além dos
resultados em campo, experimentando as coisas boas que o esporte proporciona:
Criar novas amizades, fortalecer antigos laços, curtir, resenhar [para usar um
termo bem boleiro]. Claro, com direito a alguns percalços: Experimentar o lado
ruim da rivalidade, o ambiente bélico e danoso que cada vez mais permeia as
arquibancadas. O que me fez relembrar uma frase clássica de Napoleão Bonaparte
– militar e governante francês: “A inveja é uma declaração de inferioridade”.
Perfeitamente compreensível que o Bahia seja tão hostilizado pelas outras
torcidas nordestinas. Preocupar-me-ia se tal fato não ocorresse.
Como justiça e futebol não andam
lado a lado – e é bom que assim seja, a equipe tricolor precisava sintetizar
todo o trabalho deste ano em 90 minutos e três gols de diferença. Seria a exata
medida entre o inferno da cobrança resultadista e o céu do alento
lenitivo. É a taça na prateleira que conforta e restaura a fé dos adeptos [momento FM]. E com a volúpia
de um herói ferido que precisa salvar o universo, o Bahia fez de uma tarefa
hercúlea uma brincadeira de gincana. Em VINTE E TRÊS minutos o adversário
estava liquidado, entregue e batido. O rival do campeão, valoroso vice-campeão
esportivo, e os rivais que acompanhavam por rádios, TVs, celulares e afins,
prostrados em seus sofás forrados de decepção e invídia.
“A altura de um homem não se mede da cabeça aos pés, mas da cabeça ao céu.” |
Tais remontadas, viradas
ponta-cabeça, gols salvadores no apagar das luzes, não passam de plot twist para manter a audiência desavisada de
olho no Esquadrão. O torcedor se agonia, se desespera e descabela [quem ainda
possui flora capilar] mas no fundo sabe o final da história. Pode demorar a
vir, pode exigir capítulos extras, pode testar sua paciência. Mas sabe que a
recompensa virá. Há quem espere mais de um século atrás de um mínimo momento de
regozijo agridoce, em vão. Quem se contente com as migalhas que sobram do
enredo. Com o papel, às vezes elogiável, de coadjuvante em um cenário onde um
Gigante de Aço ergueu QUARENTA E SEIS vezes a taça entre o
céu e sua cabeça. “A verdadeira marca da grandeza não consiste em nunca haver
caído, mas em ter levantado sempre”. Definitivamente, Napoleão era Bahia antes
mesmo de o Bahia existir.
Alex Rolim // @rolimpato #BBMP
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