As dificuldades das mulheres não
estão apenas no dia-a-dia das amadoras. No mundo do futebol profissional, pouco
mudou com o passar dos anos, principalmente no Brasil. E não pense que as
barreiras estão apenas dentro de campo.
O treinador da seleção principal
feminina, Vadão, falou no ano passado para o Globo Esporte sobre o que é
enfrentar o preconceito. “O maior desafio
não é dentro de campo. Os outros países estão ficando na nossa frente
exatamente porque jogamos em lugares pontuais onde prefeituras e clubes apoiam.
Eles estão jogando com meninas desde os seis anos, aqui ainda corremos o risco
do preconceito,” disse ele.
Com uma reformulação forçada cada
vez mais próxima, já que atletas como Marta e Formiga já estarão com idades
avançadas depois das Olimpíadas, o técnico mostra preocupação: “A minha maior luta pelo futebol feminino é
tirar esse preconceito existente e peço o apoio dos governantes. “Ah, futebol é
coisa de homem, não é coisa de menina”, isso tem que acabar. O que será do
nosso futebol quando acabarem os Jogos Olímpicos?”.
O baixo número de mulheres
interessadas no esporte também se deve ao pouco investimento dos grandes clubes
brasileiros. As ex-jogadoras Caitlin Fisher e Alline Pellegrino iniciaram um
projeto para levar suas histórias e experiências para atletas, pais e
treinadores dessa modalidade. Fisher, que é americana, fez pesquisas para seu
mestrado sobre o preconceito e concluiu que “no
Brasil a discriminação é muito forte, mas parece invisível e aceitável”.
Caitlin jogou pelo Santos em 2004, 2005 e 2010, mas o projeto acabou em seu
último ano graças às necessidades do clube de aumentar o salário de Neymar.
Historicamente, a segregação no
esporte foi influenciada por governantes. Durante o mandato de Getúlio Vargas
(1937-1945), as mulheres foram proibidas, por lei, de jogar futebol. A
explicação era de que as condições físicas não eram compatíveis com o jogo, o
que reforçava o velho conceito de “sexo frágil”.
Na inauguração da exposição
#VisibilidadeParaOFutebolFeminino no Museu do Futebol, a ex-árbitra Léa Campos,
que foi a primeira mulher a apitar pela FIFA, falou sobre o que passou tentando
fazer o que mais gostava. João Havelange fez de tudo para impedir que ela
exercesse sua profissão por quatro anos. Com alegações de que a lei não
permitia e que constituição óssea não era adequada, ela foi atrás de tudo para
mostrar que o presidente da CBD estava errado. Enfrentando o constrangimento,
ainda teve que ouvir Havelange afirmar que enquanto fosse presidente, “nenhuma mulher nem apita e nem joga futebol
porque eu não quero”. “Naquela época eu me impus como uma pessoa que queria
apitar futebol. Eu não me desvirtuei, eu não me desviei da minha estrada.”,
completou Léa. A liberação só veio na Ditadura Militar em 1979 com o presidente
Médici.
A discriminação não é um problema
só do Brasil. Quem assiste futebol inglês conhece a médica do Chelsea, Eva
Carneiro. Por diversas vezes ela entrou no campo para cuidar de algum jogador
contundido e ouviu comentários machistas e cantos abusivos. E ninguém fez nada
sobre isso. Depois de tanto tempo, a Federação Inglesa tomou medidas para punir
os responsáveis. Casos como esse acontecem todos os dias com aquelas que estão
trabalhando nesse meio e, na maior parte, essas atitudes são consideradas normais.
Outro caso que chamou atenção e é
frequente foi quando a repórter Shauna Hunt, de um canal do Canadá, foi
agredida verbalmente por torcedores no entorno de um estádio e tudo que os
outros fizeram foi rir. Simplesmente deram risadas e continuaram com os
insultos. “E se fosse sua mãe?” “Ela morreria de rir”, disse o torcedor.
A melhor jogadora do mundo por
cinco vezes consecutivas também não teve vida fácil no começo. Marta disse à
Folha de São Paulo em 2013 que nem sua família viu com bons olhos sua escolha.
“Sou de Dois Riachos, uma cidade muito pequena do interior de Alagoas. As
pessoas na época não viam com bons olhos uma menina jogando bola no meio de um
monte de garotos e a minha família pensava da mesma forma”. Se um país como o
nosso colocou a melhor jogadora do mundo com investimentos tão baixos e uma
luta tão longa pela frente, o que poderíamos fazer se as pessoas olhassem mais
para isso? Quantas Martas estão perdendo nesse processo?
Mulheres envolvidas nesse meio
sofrem todos os dias com o preconceito e o machismo. A verdade é que ninguém
está ali trabalhando de brincadeira, mas a sociedade parece não enxergar.
Apesar dos milhões de exemplos, ainda é difícil que esses casos tenham a
importância que merecem. Até quando?
Mariana Sá || @imastargirl
Linha de Fundo || @linhadefuundo
2 Comentários
Que texto sensacional, Mari! Parabéns!
ResponderExcluirPapão sem divisão
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