Por muitos anos, se tornou comum
achar que mulheres iam aos estádios apenas para acompanhar o marido. É possível
dizer que aquelas que não estavam lá por isso não eram bem vistas ou bem
tratadas nesses locais. Hoje, mesmo com o aumento do público feminino dentro de
campo, nas televisões, nos clubes e, principalmente, nas arquibancadas,
situações preconceituosas ainda são banalizadas por muitos.
No Linha de Fundo, somos ao todo
quatorze mulheres, sendo cada uma de um lugar diferente, com histórias
diferentes, vidas diferentes e um amor em comum: o futebol. Nós frequentamos
estádios, discutimos sobre esse universo, escrevemos vários textos por semana
dando nossas opiniões e enfrentamos de cabeça erguida à discriminação, seja ela
pessoalmente ou virtualmente. Para a terceira parte deste especial, convidei
mais seis colunistas para discutir e colocar na mesa o nosso ponto de vista
sobre tudo isso.
A relação com o futebol começou
cedo. Para a maioria, o interesse veio do lado paterno. Letícia, Luisa e Thais
contam que os pais as ensinaram a gostar do esporte e que a paixão partiu do
incentivo deles. Já para Cássia e Luiza, o caminho foi trilhado pelas mães.
Todas frequentadoras assíduas de estádios, assim como Isabela, que começou seu
amor sozinha assim como muitas outras garotas pelo mundo. Ela explica que
encontrou no futebol a força que precisava e, mesmo sem ter uma família ligada
a isso, o fanatismo não é diferente.
Um dos principais problemas de
quem vive futebol são as opiniões contrárias familiares. Isabela mostrou o quão
difícil foi pra ela começar a seguir essa paixão “No começo não foi nada fácil. Eu mulher, nova e do interior? O primeiro
impacto com o preconceito veio dentro de minha própria casa”. As outras
também sofrem resistência mesmo quando alguém apoia essa “loucura”.
É consenso nesse grupo que as
mulheres devem, obrigatoriamente, mostrar saber o dobro para que consigam ter uma
boa conversa sobre o esporte. Sem recuar, as meninas do Linha de Fundo sabem
que, infelizmente, ainda devemos mostrar nosso conhecimento mesmo tento certeza
do que é dito. “Sempre me incomodei com o
fato de contrariar a opinião de algum homem e ele dizer "tinha que ser
mulher", "mulher não entende mesmo" ou coisas do tipo, mas
quando é outro homem falando é só alguém de opinião contrária.”, disse
Cássia.
O preconceito, no entanto, é
comum em diversos lugares. Letícia, por exemplo, sofreu discriminação num
colégio, lugar que tem como objetivo, na teoria, formar seres pensantes: “Todas as minhas coisas eram do Criciúma e
nas aulas de português, quando tinha que escrever sobre algo, sempre puxava
para o futebol ou algo relacionado ao Criciúma. Um dia minha professora me
chamou de anti-feminina, insinuou que eu era lésbica e que eu nunca iria
namorar/casar por causa disso”. Outras situações desconfortáveis são ainda
mais frequentes dentro dos estádios. “No
final da série C, passei por umas situações bem chatas. Um rapaz tirou fotos da
minha bunda, outro tentou me puxar pela cintura. Já ouvi muito "estás no
lugar errado", "mulher vem para o estádio arrumar homem"...”,
contou Cássia. Isabela completou “Esse
tipo de comentário ocorre principalmente em jogos de maior risco, onde somos
aconselhadas a não ir, mas sempre acabo indo. Lembro também de um protesto onde
um rapaz foi pra cima de uma amiga porque estávamos protestando contra o
ex-presidente Andres Sanchez. Ele era a favor e quis partir para violência.”.
A presença crescente de mulheres,
seja ela em qualquer campo do esporte, representa um grande avanço. Como dito
na parte dois, mesmo com todas as barreiras ainda enfrentadas, cada vez mais as
histórias delas vem ganhando espaço. “É
uma conquista no que se refere à igualdade refletida pela sociedade. A mulher
ser tratada como igual dentro de um campo de futebol é reflexo dos direitos
conquistados e dos preconceitos afastados durante gerações de lutas por
isonomia. O futebol era totalmente dominado por homens em todos os campos e a
chegada das mulheres nesse meio me orgulha porque significa um crescimento
gigantesco e uma quebra de um tabu construído por séculos”, Luisa comentou.
Isabela completou dizendo que “é um
avanço e mostra que mulheres possuem paixão sim pelo futebol e entendem sobre o
assunto, podendo ter um conhecimento igual a qualquer homem.”.
A sociedade ainda tem dificuldade
de aceitar essa presença das mulheres e muito se deve ao costume e ao
condicionamento para pensar por conta do lado cultural. Mesmo com o passar dos
anos e com a mudança do mundo, ainda é difícil para muitos enxergar o cenário
diferente. “Os homens dominaram por muito
tempo e a tendência agora é totalmente o contrário. Mulheres mandando em
empresas, em casa e por aí vai. Creio que role um receio deles se virem
dominados pelo universo feminino. E, no caso das próprias mulheres que não
aceitam outras no futebol, isso se dá pela cultura machista”, disse Luisa.
As frequentes discussões sobre o
machismo na sociedade em geral podem estar começando a mudar algumas visões
populares, mas quanto falta para essa mudança chegar ao futebol? Quando o povo
e os dirigentes conseguirem enxergar além do preconceito, esse será o momento
exato em que veremos a transformação acontecer. O mesmo serve para a mídia, que
pouco faz para incentivar a igualdade.
É inegável que a imprensa,
principalmente a televisão, é responsável pela formação de opinião das pessoas.
Isso não é totalmente ruim, considerando que a mídia pode sim ser um importante
veículo de circulação de informações. Tendo esse poder todo, não seria mais
inteligente utilizar essas ferramentas para o bem? Porque não incentivar o
futebol feminino e mostrar como as mulheres são muito mais importantes para
esse meio do que as pessoas deixam transparecer?
Para nós, é fato que a sociedade
já evoluiu, mas é evidente que ainda falta muito para o lugar ideal. “Evoluiu, mas ainda não chegou ao ideal. O
fato de ter melhorado não significa que está bom, que estamos satisfeitas,
ainda há muito que mudar. Qualquer uma que "se meta" nesse meio
esportivo ainda tem que lidar com muitas coisas, dificuldades que homens não
passam” Cássia concluiu e Isabela completou: “Um passo grande são as mulheres que hoje trabalham na mídia com
futebol, mas tem que dominar o assunto, se não um erro e você já é recriminada.
Vale lembrar o quanto a Ana Paula sofreu para ser bandeirinha de futebol por
conta de toda a discriminação e ela venceu isso. Acredito que nós, mulheres e torcedoras,
já vencemos um pouco com essa evolução, mas ainda temos que vencer até que não
exista nenhuma brincadeira maldosa, porque isso irrita qualquer mulher que
realmente vai ao estádio entendendo sobre o esporte e amando seu time do
coração”.
Por Mariana Sá || @imastargirl - Flamengo
Participações:
Cássia Gouvêa (@_cassiagouvea) - Paysandu;
Isabela Macedo (@ismacedo_) - Corinthians;
Letícia Figueredo (@_lefiguereedo) - Criciúma;
Luisa Duarte (@LuisafDuarte) - Atlético Mineiro;
Luiza Sá (@luizasaribeiro) - Flamengo
Thais Oliveira (@thaaisoliveirac) - Ceará.
Cássia Gouvêa (@_cassiagouvea) - Paysandu;
Isabela Macedo (@ismacedo_) - Corinthians;
Letícia Figueredo (@_lefiguereedo) - Criciúma;
Luisa Duarte (@LuisafDuarte) - Atlético Mineiro;
Luiza Sá (@luizasaribeiro) - Flamengo
Thais Oliveira (@thaaisoliveirac) - Ceará.
1 Comentários
Parabéns as meninas pelo texto, o futebol é reflexo da sociedade, aí que está o machismo, a sociedade é machista, o futebol é machista...
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