Faça Parte

Aos pés do Santa Cruz: Uma exegese futebolística

A rivalidade Bahia x Pernambuco é notória e secular, uma luta irrefragável e incessante pela ascendência da região Nordeste; tem sido assim desde  Duarte Coelho - o fundador de Olinda -  e Pereira Coutinho, primeiro donatário da capitania da Bahia de Todo os Santos. A história não permitiu que se cruzassem, o que não impedia a antipatia de um pelo outro revelada em cartas enviadas ao rei de Portugal. Baianos e pernambucanos, povos orgulhosos de sua cultura e peculiariedades vivem desde então a grasnar e cismar uns com os outros, na tentativa vã de assumir uma pretensa hegemonia sobre o Brasil acima das Gerais. O esporte reflete isso, sejam nos poderosos socos sem coordenação de Reginaldo Hollyfield ou na empáfia jocosa de Todo-Duro - Bahia versus Pernambuco é sempre uma batalha que envolve uma mística carregada de um antagonismo particular; perder significa aceitar temporariamente a condição de coadjuvante.

Esse contexto, óbvio, se estende ao futebol. Dentro dessa carapuça Bahia e Santa são forças similares, origem do povo e torcidas aliadas. Instituições tradicionais que passaram por perrengues no novo século. Vez por outra o destino se encarrega de inverter os pólos e colocar frente a frente  os clubes tricolores. No último ano o encontro tem se repetido e o enredo também.

Passaram-se 160 dias entre dois confrontos decisivos: O da série B, a virada do Santa que representou o turn-point da cobra coral no acesso, quando o time emendou a sequência de triunfos que o promoveu à serie A foi também a condenação final do cambaleante Bahia, que não subiria a partir daquela derrota mesmo que vencesse todos jogos restantes. 

O que mudou no time do Bahia entre 07 de novembro de 2015 e 17 de abril de 2016? Absolutamente TUDO. Desde o comando técnico até todo o time titular: Apenas dois reservas que entraram em campo durante o jogo estavam na Fonte Nova naquela tarde. No lado pernambucano o número sobe para oito, sete titulares - isso sem contar o três desfalques da equipe, remanescentes de 2015.  

A reformulação foi de tal monta que Luisinho, destaque do Santa no acesso, é atualmente reserva do Bahia. Uma leitura apressada poderia indicar isso como um inconteste processo de qualificação do elenco tricolor. Devagar com andor. O Santo não é de barro e o futebol não é afeito a simplificações tão grosseiras.


O time de Doriva é bastante diferente do Bahia da temporada passada e isso não se deve apenas às mudanças do elenco. O time tem excelentes números apesar do desempenho pouco encantador. A proposta mudou, o modelo de jogo é outro e o comportamento durante as partidas também. A essa altura da temporada passada o Bahia se expunha mais, arriscava mais, atacava mais [não necessariamente melhor], pressionava mais.... Empolgava mais. Chegou a duas finais, perdeu o Campeonato do Nordeste mas era apontado como um do favoritos à subir pra série A - mesmo com a necessidade de reforços. Os reforços não vieram, o mingau desandou e o time desmilinguiu quando o caldo entornou. Ficou na segundona.

Esse ano o time fez a melhor campanha da história no Nordestão e manteve a invencibilidade até o fatídico domingo passado. Mas os números não escondem que o desempenho na fase mata-mata foi bem abaixo do esperado: Apenas um jogo razoável contra o Fortaleza no Castelão e duas atuações muito ruins na sequência, minimizadas por empates satisfatórios. Se há algo a extrair de bom dessa dolorosa eliminação é justamente isso: Defeitos são tão evidentes que é impossível ignorá-los.

O principal deles Milton Mendes desnudou em 20 dias. O Santa Cruz que perdeu para o time misto do esquadrão [e quase foi eliminado por isso] era idêntico ao que passou pela Bahia nas semifinais - apenas Uillian Correia chegou como reforço. A mudança na equipe coral foi absurda: Organização, intensidade, transição e recomposição defensiva notáveis para um espaço de tempo tão curto. Depois de assistir os dois jogos da semifinal ficou evidente o motivo pelo qual o Santa classificou. Foi um time que se defendeu melhor quando foi preciso. Um time eficiente com sua estratégia. O Bahia abriu o placar no Arruda, não manteve a vantagem e não saiu derrotado por ter feito um gol casual. Na Fonte Nova o Santa repetiu o expediente da fase anterior contra o Ceará: Soube se defender quando precisava e construiu a vantagem quando teve oportunidade.

Defender-se bem exige menos qualidade e mais aplicação; o Atlético de Madrid de Simeone gabarita isso há pelo menos três temporadas. É ocupação de espaço, transição defensiva rápida e rigidez na zona de marcação; com esses elementos é mais fácil vencer as batalhas individuais independente da qualidade dos seus defensores. 

O erro de Robson [que era reserva de Gustavo e Valongo em 2015] que ocasionou o gol de Grafite não foi aleatório. Ele foi causado pelo adversário que pressionava sempre a saída de bola até ali, quase aconteceu momentos antes e foi 'desenhado' pela aplicação do Santa. Paulo Roberto erra o domínio, perde tempo e acaba tocando apertado para o zagueiro que tinha a opção de Éder para o passe, mas se atrapalha com a bola e permite o abafa. Falta automatismo nas ações e capacidade para decidir rapidamente a ação mais adequada.

A partir do gol o que se presenciou na Fonte Nova foi a mais pura essência do apaixonante futebol. Um jogo com nível de tensão altíssimo, muito mais pra LIBERTADORES DO SERTÃO que LAMPIONS LEAGUE, cenas lamentáveis, aplicação e entrega absurda. Os gols perdidos por Edigar Junio e Hernane fogem a qualquer tipo de explicação lógica, não aconteceram porquê algum tipo de alinhamento astral não confluiu para que as energias convergissem naquele momento. Talvez uma borboleta nas florestas tropicais de Camboja tenha acelerado o batimento das asas criando uma rajada de vento que passou pela ferradura do estádio que fica na direção do Dique. Mistérios sempre hão de pintar por aí.

O Santa Cruz foi novamente o carrasco que vem da quase morte para nos abater; quase sem chance em 2015, quase eliminado em 2016, um time que se reinventa no exato momento em que a única solução é se reinventar. O Bahia segue tateando no escuro e pisando no cadafalso quando se aproxima do último passo. As derrotas prescindem de explicação, mas é preciso entender os sinais. Ou seguiremos dando potentes socos no ar como Reginaldo Hollyfield.   



                                        Alex Rolim - @rolimpato - #BBMP

Postar um comentário

1 Comentários

  1. meu amigo, que belo texto! Sensacional.
    Sou Santa Cruz e reverencio os amigos torcedores do Esquadrão, respeito de tricolor para tricolor. Quis o destino que nossas equipes se enfrentassem 8 vezes nos últimos 2 anos (após muito tempo sem esse CLÁSSICO nordestino) o que naturalmente trouxe à tona toda a rivalidade entre pernambucanos e baianos que passou escondida por anos, mas sem abalar essa interação simbiótica entre duas torcidas tão irmãs, de luta, de fé, de gramado.

    ResponderExcluir