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Os eternos 96 de Hillsborough nunca andarão sozinhos

27 anos após a tragédia de Hillsborough parecem muito atuais ainda, pode parecer que foi ontem, inclusive. Afinal de contas, a história ainda não foi muito bem resolvida, e ainda não existe uma precisão de quando acontecerá o desfecho. Antes de começar, de fato, o texto, gostaria que gravassem o número 96 e 766. Esses números representam a quantidade de Reds que pereceram e a quantidade de Reds feridos na tragédia, respectivamente.



O dia 15 de abril de 1989, seria um dia de festa na Inglaterra, um dia em que uma das torcidas sairiam do estádio com a vaga na final da Copa da Inglaterra. Liverpool e Nottingham Forest estavam frente à frente para ver quem seria o grande finalista da competição, que tinha grande valor naquele tempo. O Estádio Hillsborough era um dos poucos do país que poderia ser considerado um palco apto a receber jogos importantes, sendo muito usado para jogos decisivos da competição em questão na década de 80, já tendo sido palco de 5 semifinais.

O Hillsborough já havia testemunhado um acidente, em menor escala, 5 anos antes, na partida entre Tottenham e Wolverhampton, com 38 feridos e, felizmente, nenhuma morte confirmada. Isso levou o Sheffield, dono da casa, a alterar o projeto do setor Leppings Lane End, dividindo o setor em 3 compartimentos separados - que seria novamente dividido e distribuído em 5 compartimentos separados quando o clube conquistou o acesso para a Division One em 1984. Por ser um dos maiores estádios do país, a Football Association escolheu o estádio para sediar a semi final da Copa da Inglaterra de 1989, às 15h do dia 15 de abril.

Como de costume em todos os grandes jogos na Inglaterra, o estádio foi dividido entre as 2 torcidas. A polícia optou por direcionar os torcedores do Nottingham Forest no setor Spion Kop End, que tinha capacidade para 21 mil pessoas, equanto os torcedores do Liverpool eram posicionados na Leepings Lane End, que tinha a capacidade de apenas 14.600 pessoas, mesmo com os torcedores do Liverpool estando em maior número em relação aos torcedores do adversário. O jogo estava programado para ter a bola rolando às 15h, com o conselho aos torcedores de se acomodarem com 15 minutos de antecedência.

No dia do jogo, as emissoras de rádio e de televisão comunicaram que os torcedores sem ingresso não deveriam comparecer ao local da partida. Mesmo com o "aviso prévio" no dia do jogo, a comunicação foi mal feita e muitos torcedores só tiveram a informação quando já estavam na auto-estrada M62 sobre o Pennines, o que resultou em congestionamentos. Segundo relatos, aproximadamente às 14h30min, houve um acúmulo de torcedores do Liverpool  nas proximidades das catracas para a Leppings Lane End, com torcedores ansiosos para entrar no setor e expressar toda a sua paixão e apoio ao clube, antes da bola rolar. Pronto! Problema criado. Os torcedores que não tinham ingressos em mãos, tinham sido impedidos de entrar, mas também não conseguiam sair de onde estavam, se transformando em obstáculo e criando um ambiente tenso no local.

Os torcedores que estavam ansiosos para entrar, ouviam os aplausos que ecoavam de dentro do estádio quando as equipes entraram em campo 10 minutos antes do pontapé inicial. O início não foi adiado pelo chefe da polícia - que era a única pessoa que poderia evitar o desastre, já que alguns torcedores já se encontravam dentro do estádio. Para facilitar a entrada, um portão lateral foi aberto, cenário ideal para um desastre: afobação, tensão e desorganização. Com um número de, aproximadamente, 5 mil torcedores tentando passar as catracas, e aumentando as preocupações da possibilidade de esmagamento no lado de fora dos portões, a polícia abriu um conjunto de portões - originalmente destinados à saída da torcida - que não tinha catracas.

O desastre ia se desenhando cada vez melhor e ia se tornando mais real a cada instante que se passava. O resultado foi um fluxo de milhares de torcedores através de um túnel estreito que daria acesso ao setor destinado aos Reds, e para as já superlotadas 2 divisões centrais, causando uma queda enorme dos torcedores na frente do campo, onde 862 pais, mães, filhos, maridos, esposas, netos, namorados, eram pressionadas contra as grades pelo peso da multidão atrás deles. As pessoas que entravam não tinham noção do problema que acontecia, enquanto o desespero e a tensão tomava conta de todos - uns pela euforia de ver seu clube do coração e outros pela dor.

A segurança comandada pelo recém-transferido chefe de polícia, David Dueckenfield, desorganizada, falhou, pois teriam ficado na entrada do túnel se as divisões centrais tivessem alcançado a capacidade, e teriam dirigido os torcedores para as divisões ao lado, mas dessa vez eles não fizeram, por razões que nunca foram esclarecidas. Por algum tempo, o problema na parte da frente do compartimento não havia sido percebido por ninguém além dos afetados. A atenção era total no jogo, que já estava com a bola rolando. Com 6 minutos de jogo o árbitro Ray Lewis parou o jogo, após ser avisado pela polícia. Finalmente houve atenção para o problema - demorou, mas houve.

Torcedores subiam a cerca para escapar do esmagamento e um portão na grade havia sido arrombado para que alguns outros escapassem por ali, outros ainda subiam a grade, e ainda outros, foram puxados para perto dos torcedores que estavam no West Stand, localizado acima da Leppings Lane. Por fim, depois da tragédia já realizada, o muro rompeu sob a pressão das pessoas.


Ao ser perguntado por Graham Kelly, da confederação de futebol, o que estava acontecendo, David Duckenfield, por uma razão desconhecida, disse que os torcedores haviam forçado a entrada por um portão de saída e provocado o desastre. Essa foi a notícia que se espalhou pelo mundo. Todos se posicionarem contra a torcida Liverpool, acreditando que suas ações tinham sido violentas e foram motivadas o excesso de bebida. Tudo porque o chefe de polícia não assumiu a responsabilidade por seus atos.

O jornal The Sun estampou o título "A verdade" (The Truth, no inglês) na capa da edição, alguns dias após o ocorrido em Hillsborough. Policiais deturparam a verdade, alegando agressão de torcedores embriagados, confirmando ainda, que uma jovem morta havia sido abusada, além de afirmar que esses adeptos de Liverpool urinaram neles e nos corpos de torcedores mortos enquanto, na verdade, os "hooligans" - segundo os falsos depoimentos policiais - prestavam os primeiros socorros aos feridos.

A versão falsa, criada pelos policiais que deram depoimento ao The Sun, haviam sido aceitadas no continente, já que a Inglaterra vivenciava o auge dos hooligans, o que tornava mais fácil culpar os torcedores do Liverpool. Após anos de investigações, foi descoberto que a tragédia não havia sido causada pelos Reds, e sim, pela superlotação e mau estado de conservação do estádio, além das infrações às normas de segurança para o funcionamento do estádio, que havia sido reformado para a Copa do Mundo de 66. Mesmo com as reformas executadas, o estádio continuou perigoso devido à limitação da movimentação dos torcedores. O The Sun só assumiu o erro - talvez o pior da história - em 2004.

Em setembro de 2012, a conclusão foi de que as autoridades manipularam a versão para abafar o que, de fato, havia acontecido, inclusive, com 116 depoimentos sobre o caso alterados, além de isentarem os Reds da culpa sobre a tragédia. O Hillsborough Independent Panel concluiu que, das 96 mortes, 41 poderiam ter sido evitadas caso as vítimas recebessem atendimento médico imediatamente. O relatório revelou também, falhas nos serviços de emergência e organização, que contribuíram diretamente para o elevado número de mortos.

Dia 15 de abril de 1989, um dia que tinha tudo pra ser festivo, ganhou ares dramáticos, tensos, se desenhou e se concretizou uma tragédia. Me arrisco a dizer, que foi a maior tragédia da história do futebol mundial onde 766 apaixonados pelo Liverpool ficaram feridos e 96, infelizmente, nunca mais puderam seguir com suas vidas. Aos 96 mortos, por mais que não tenham a oportunidade de ler isso, vocês estarão sempre nas memórias  dos torcedores do Liverpool e "You'll Never Walk Alone"



LEO FERNANDES ||  @leo_fernandes_9
LINHA DE FUNDO || @SiteLF

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