Quarenta e um anos de idade, caçula de sete irmãos,
casado com Camile, pai da Julia e da Gabriela, 17 anos como jogador
profissional, formado em Educação Física, três anos como auxiliar técnico, três
como técnico de futebol. Muitos títulos como jogador, nenhum como treinador.
Ainda.
Fonte: Globo.com |
Esse é Roger Machado Marques, ou Roger Machado, ou
apenas Roger, hoje técnico do Galo. Seguindo o raciocínio de que o Presidente
do Galo é a segunda pessoa mais importante do Estado, atrás apenas do
Governador, Roger provavelmente está hoje em terceiro lugar nessa lista.
Portanto, antes do primeiro jogo oficial da temporada, vale conhecer um pouco
melhor o professor.
Roger teve uma longa carreira como jogador, muito
bem-sucedida, durante a qual amealhou títulos importantes como a Libertadores
de 1995, o Brasileiro e a Recopa Sul-Americana de 1996 e as Copas do Brasil de
1994, 1997 e 2001, todos com o Grêmio, e a Copa do Brasil de 2007 com o
Fluminense, na qual fez o gol do título.
Da carreira de jogador, Roger traz a vivência de campo
e vestiário. Segundo ele mesmo diz, ter sido jogador faz com ele consiga “entender como funciona a cabeça de um
jogador de futebol” e saber “a
linguagem que deve usar”. Mais importante, diz Roger, a vantagem
competitiva que essa experiência lhe traz é a de conseguir “enxergar em 3D: porque, quando eu peço uma
jogada para um jogador executar dentro de campo, se, em algum momento, ele tem
uma dúvida e me questiona, eu me transporto pra dentro do campo porque eu fiz
aquilo milhares de vezes. E eu consigo perceber se o que eu estou pedindo é
viável, do ponto de vista físico, técnico e tático, ou não”.
É simples perceber nas atitudes que Roger é metódico e
determinado. Depois de uma carreira futebolística longa e extremamente
vitoriosa, tomou uma decisão consciente de dar um tempo no futebol para poder
se preparar melhor. Seria mais fácil, provavelmente, e possível, em virtude da
carreira como jogador, que Roger fosse diretamente do campo para o banco, mas
ele preferiu estudar e se preparar. Entre a psicologia e a educação física,
optou pelo segundo curso e diz que foi a melhor escolha que poderia ter feito.
Em entrevista ao Lance!, afirmou: "a
busca pelo conhecimento é algo constante para mim, foi algo que foi fomentado
desde muito cedo. Minha mãe de criação me ensinou sempre que temos que buscar
conhecimento, porque conhecimento ninguém te toma, a não ser que corte tua
cabeça fora. E isso eu passo para minhas filhas também".
Terminado o curso, e já com três anos de profissão
como auxiliar técnico do Grêmio, decidiu lançar-se ao voo solo e se
auto-concedeu um prazo de cinco anos para estar “atuando em alto nível”. Se, ao
final deste prazo, não tivesse ainda alcançado a meta, abandonaria a carreira e
iria “procurar outra coisa pra fazer”. Conseguiu em bem menos tempo atingir o
objetivo: no primeiro ano, 2014, assumiu o comando do Juventude e em 2015 migrou
para o Novo Hamburgo por alguns meses até que, ainda no primeiro semestre de
2015, desembarcou em Porto Alegre para assumir o time em que mais vezes vestiu
a camisa como jogador – o Grêmio.
A decisão de se dar um prazo curto,
considerando-se a realidade dos técnicos de futebol no Brasil, pode parecer, à
primeira vista, apenas uma decisão racional, programada e sensata. Contudo, a
importância dessa limitação auto-imposta fica clara na medida em que
se vê a opinião de Roger sobre a própria opção profissional: “Acho que nasci para ser treinador”. Se,
diante dessa identificação tão grande com a função, ele iria de fato cumprir
com o seu “combinado consigo mesmo”,
nunca saberemos. Talvez ele saiba.
Fonte: www.atlético.com.br |
Roger é humilde, lê muito e diz que aprende
conversando com “qualquer um” sobre futebol. É curioso, busca sempre mais e
mais informação sobre tática, devora livros, reclama de que no Brasil existe
pouca coisa sobre o tema (e tem razão). Sobre isso, o repórter do Jornal Zero
Hora, Adriano de Carvalho, diz que Roger "é um cara muito estudioso, sempre buscando livros diferenciados.
Literatura europeia, da Holanda, alemã. Ele bebe em várias fontes para montar
metodologia".
Se, de um lado,
o técnico estuda, de outro ele ensina. De acordo com os próprios jogadores, “dá
aula de futebol” (Carlos Cesar, Fred
e Luan, cada um a seu modo, afirmaram isso com diferentes palavras). Tudo a ver
com o estilo daquele que é seu preceptor, talvez mestre: Tite.
Vale ressaltar que a admiração, ao que parece, é via
de mão dupla nessa relação: Tite já fez várias referências elogiosas a Roger em
público, e diz que “é suspeito” para opinar sobre o ex-comandado. A confiança é
tanta que, quando Roger tinha sob seu comando o meia Giuliano, no Grêmio, Tite
buscava com o ex-pupilo as informações sobre como melhor aproveitar o jogador
no esquema tático da seleção. De outro lado, quando perguntado sobre qual o
melhor técnico com o qual já trabalhou, Roger não titubeia: Tite. E, se
perguntar mais, ele desfia um rosário de elogios para explicar os porquês.
Fonte: www.superesportes.com |
Outra característica que parece ser também
compartilhada pelos dois técnicos é a criação de um vocabulário próprio para
expressar as ideias sobre o jogo. Enquanto Tite já foi objeto de muitas
brincadeiras por conta de expressões como “empatabilidade” e “treinabilidade”,
Roger usa vários termos só dele para explicar aos jogadores e aos jornalistas o
que quer (vide link https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2016/07/29/tecnico-do-gremio-mistura-futeboles-com-termos-tecnicos-e-cria-dicionario.htm).
É o caso, por exemplo, da expressão “temporizar o contra-ataque”, que
significa atrasar o contra-ataque do adversário até que a defesa possa estar
recomposta adequadamente. Outro termo próprio muito utilizado por ele é a “cortina”, para se referir ao movimento
de outros jogadores de fechar os espaços que surgem naturalmente entre os
jogadores que compõem uma linha defensiva. Várias outras palavras e expressões
que ele inventou vão se tornar, com o tempo, conhecidos da torcida do Galo,
como “jogada semifinal”, (vulgo
“assistência” ou “assistência para finalização”), e “pisar na linha”, atitude que o técnico atleticano cobra dos
laterais, que devem jogar abertos até o ponto de, bom, pisar na linha lateral
do campo, ou seja, o treinador sistematizou na linguagem do boleiro a noção de
amplitude, tão difundida entre os adeptos do futebol moderno.
Fonte: www.atletico.com.br |
Com nomes inovadores ou não, fato é que os conceitos
de Roger começam a aparecer nos treinamentos e, pela primeira vez, no
jogo-treino com o Guarani, puderam ser vistos em ação, ainda que, certamente,
de forma imperfeita.
É possível
perceber como o time pressiona a saída de bola do adversário de forma
coordenada. Os atacantes e jogadores de meio-campo (Roger prefere chamar os
tradicionais “volantes” de médios-apoiadores, o que já mostra um pouco da
função que deles espera) vão aos poucos se aproximando e minando as linhas de
passe do adversário até que possa haver um bote ou um erro forçado que gere a
recuperação da posse de bola.
Há muito menos
cruzamentos para a área e lançamentos longos do que nós, torcedores do Galo,
nos acostumamos a ver nos últimos anos. A comparação das estatísticas dos dois
últimos Brasileirões não deixa dúvidas:
Equipes
|
Brasileirão 2015
|
Brasileirão 2016
| ||
Lançamentos
|
Cruzamentos
|
Lançamentos
|
Cruzamentos
| |
Galo
|
1717
|
853
|
1574
|
774
|
Grêmio
|
1412
|
509
|
1255
|
602
|
Fonte: Footstats.com. Inclui lançamentos e cruzamentos certos e errados. Galo tem um jogo a menos em 2016.
O que está por trás das diferenças é algo que permeia
todas as análises do trabalho de Roger e que é declarada pelo próprio técnico:
“Eu prefiro ter a bola. Porque se eu
tenho a bola, também estou me defendendo”. Cada lançamento, cada
cruzamento, aumenta a chance de perda da posse da bola. Portanto, menos
cruzamentos e lançamentos. Mais infiltrações, triangulações, trocas de passes.
Como disse o próprio técnico numa entrevista recentemente concedida ao repórter
Victor Martins, do UOL: "Um passe
quanto mais longo, mais aumenta a chance de erro". Mais claro,
impossível.
Aliás, tanto a filosofia de posse de bola como o
treinamento posicional que Roger implantou no Grêmio (e que Renato Gaúcho,
inteligentemente, não mudou) puderam ser vistos e sentidos na carne por nós,
atleticanos, na final da Copa do Brasil de 2016. Não me lembro de ter passado
tanta raiva num estádio de futebol quanto no primeiro jogo da final. A sensação
que dava, ali, vendo ao vivo, era a de que os jogadores do Grêmio sabiam, sem
precisar pensar, onde estavam seus companheiros, e os jogadores do Galo
simplesmente não conseguiam encontrar a bola.
Não foi, infelizmente, o único exemplo. Também no
Brasileiro de 2015 o Grêmio de Roger nos derrotou em casa e fez um golaço,
saindo da marcação pressão do Galo de Levir Culpi com passes curtos em
velocidade, em uma transição que acabaria no fundo do Gol de Victor. E no
Brasileiro de 2016, primeiro turno, outra derrota doída, por 0x3 no
Independência (pelo menos, nesse caso, tínhamos a atenuante de estarmos com uma
dúzia de desfalques).
A dura realidade é que nunca ganhamos do Grêmio com
Roger no comando. Pelo menos, agora, isso tem um lado positivo.
Some-se a essa diferença nas estatísticas e no
confronto direto a diferença dos elencos (Galo tem e teve em 2015 e 2016
certamente um plantel melhor) e fica nítido o efeito da filosofia do treinador.
Fonte: Globo.com |
É claro que a implantação de uma nova filosofia de
jogo demanda tempo e paciência (que a torcida do Galo tem demonstrado apenas em
doses bem pequenininhas... Ahhh cornetas!). Há algo, entretanto, que ajuda a
pensar positivo: A capacidade que o nosso técnico já demonstrou de mastigar as
informações e transformar conceitos que parecem difíceis em algo simples de
entender vai além das quatro linhas e dos treinos. Em poucos dias como treinador
atuante no Galo, as entrevistas coletivas de Roger já mostraram que o
conhecimento que ele acumulou pode ser passado para nós, pretensos treinadores
de plantão, de forma clara e simples.
Atribui-se a Einstein a frase que diz: “Se você não consegue explicar algo de forma
simples, é porque não entendeu bem o suficiente”. Se foi mesmo o físico que
disse isso, não sei, mas sei que duas explicações que Roger deu em coletivas e
entrevistas me deixaram convencido. Em primeiro lugar, falando de compactação,
ele disse que é como “um cobertor curto,
se você cobre a cabeça, descobre os pés e, se cobre os pés, descobre a cabeça.
O que você faz? Se encolhe para caber debaixo do cobertor”. Ponto para o
técnico. Em segundo lugar, falando sobre como se deve defender: “Quando se defende, não podemos pensar apenas
nos zagueiros ou nos volantes. É um processo coletivo. Zagueiro bom é zagueiro
protegido. Sempre costumo fazer uma pergunta para eles. Na briga do urso com o
jacaré, quem é que ganha? Depende de onde vai acontecer. Se for na água eu
aposto no jacaré. Agora, se for fora da água, eu aposto no urso. Na maioria das
vezes, o que eu pretendo é: Fica fora da área, urso. Fica protegido. Não que
ele não vá se expor algumas vezes fora do seu setor, mas que isso seja um número
inverso. Agora, se eu tiver a cobertura de um lateral ou de um volante, ele vai
estar onde é mais importante, que é no centro do campo e perto da área. Isso
para mim já vai gerar um equilíbrio defensivo". Ponto de novo.
Roger não é perfeito e não é só virtudes. Erra, porque
é, afinal de contas, humano, e se auto-define como “às vezes teimoso”. Essa teimosia, aliás, recebe parte do peso da
sua saída do Grêmio no ano passado. Roger era “acusado” de usar Luan (logo o
jogador mais talentoso do time) no lugar errado do campo, como extremo, ao
invés de centralizado, onde rende mais. Renato Gaúcho corrigiu isso, e deu
certo. Menos um pontinho.
Se vai dar certo no Galo, só o futuro dirá. É
empolgante, entretanto, ter à frente de um elenco recheado de talentos alguém
que, com poucos dias de trabalho, parece ter conseguido ganhar a confiança e a
admiração de todos os jogadores. Se nós, de fora, achamos que entendemos de
futebol, eles, lá dentro, certamente entendem.
Torcida, ele vai ter. Elenco, idem (que venham
volantes, ou médio-apoiadores, muito bons e muito rápido). Estrutura, nem se
fala. Que tenha sorte também, é o que podemos desejar: boa sorte, Roger! Vai,
Galo!
Ah, Roger já definiu que se aposenta da carreira de
técnico aos 55 anos (é metódico ou não?). A ver. Até lá, dá tempo de ganhar
muita coisa. Que comece logo, que seja aqui conosco e que dure muito tempo.
Por Avestruz da Massa (@GalodeEsquerda)
e Equipe Vingadores LF
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