Seu Antônio chegou mais cedo do que o habitual naquela
tarde de sábado. Ele trabalhava em uma feira da Vila Bandeira, periferia da
cidade de São Paulo, para sustentar a ele e seu neto, o Neco. Geralmente o
trabalho exigia que ele voltasse já de noite para casa, mas ele havia prometido
que assistiriam juntos à partida do Imperatriz, clube do coração dos dois.
Ao chegar, viu que o quarto de Neco ainda estava
fechado. Possivelmente dormia. Não quis incomodar e foi adiantar o almoço,
enquanto deixava o sonho que comprara (era o doce favorito de Neco) na mesa da
sala. Enquanto a água fervia, sentou-se e ficou vendo a grande bandeira do
Imperatriz gigantesca que tinham na sala.
Avô e neto tinham verdadeira paixão pelo Impera, como
era carinhosamente chamado o time alvirrubro com grande torcida na capital.
Conhecido como “time do povo”, o Imperatriz sempre mandou seus jogos no
acanhado estádio Coronel Ataliba. A capacidade era para pouco mais de quinze
mil pessoas, das quais duas eram presença certa: Neco e Seu Antônio. Nem sempre
os dois tiveram pão e manteiga na mesa, mas jamais faltaram a um jogo do
Impera.
A presença assídua aos jogos do time acabou. Não
porque Neco e seu avô tivessem desistido do time, mas a diretoria do Imperatriz
optou por seguir o mesmo destino de outros grandes clubes brasileiros e trocou
o carismático Coronel Ataliba pela Arena Imperatriz, um moderno e luxuoso
estádio com possibilidade de receber até jogos da Copa do Mundo. A direção
também inflacionou os ingressos e ficou impossível para um simples feirante
acompanhar o time a partir de então.
Foto: Assessoria ACA Sports |
Neco perguntou muitas vezes ao avô quando retornariam
a ver um jogo no estádio. Ele gostava demais daquilo. Das vozes se misturando
em uma multidão, de encontrar seus amigos no meio da torcida. Todos vestindo o
manto alvirrubro e abraçando a conhecidos e desconhecidos nos gritos de gol. O
pós-jogo era gostoso também. Todos comemorando e bebendo cerveja, bebida da
qual Neco nunca provou. Seu Antônio era rigoroso com regras e não gostava de
beber, passou a detestar quando viu os pais de Neco falecerem em um acidente de
carro. O outro motorista estava bêbado.
Esse ambiente, porém, já não existia mais. Pouco se
via, inclusive, na nova Arena. Um novo perfil de torcedor abraçou o time que
seguiu ganhando títulos após a mudança. Seu Antônio e Neco seguiram torcendo
pela televisão. E foi assim que se reuniram naquela tarde de sábado para ver um
cruzamento de Batata encontrar o zagueiro Carlão e abrir o placar. Na
comemoração, Neco ficou triste ao ver um clarão na arquibancada: Ele podia
estar ali com seu avô.
Quase que ao mesmo tempo em que as redes da Arena
balançaram, Paulinho chegava de uma viagem ao exterior. Passou por Milão e
Madri antes de retornar ao Brasil. Ele não conhecia Seu Antônio ou Neco, mas já
esteve lado a lado com eles. Já os abraçou, inclusive. Paulinho também torce
pelo Imperatriz e esteve no Coronel Ataliba para assistir a vitória do Impera
por 3x1 contra o maior rival, o São Miguel. Os três se abraçaram, mesmo sem se
conhecer, a cada gol do alvirrubro.
Fora do futebol, Paulinho não tinha praticamente nada
em comum com os dois. Filho de pais de classe média, não faz nem ideia das
dificuldades que passam Neco e Seu Antônio. Ele, inclusive, já foi a diversas
partidas na nova Arena Imperatriz, especialmente no ano passado quando o time
foi campeão nacional. Não perdeu quase nenhuma partida.
Este ano, porém, o Impera não vem bem. Empatou muitas
em casa e parece fadado ao meio da tabela ou até (tomara que não!) uma briga
contra o rebaixamento. Com o time assim, Paulinho prefere nem acompanhar: “Me recuso a ver o time jogando mal desse
jeito” é o discurso para os amigos que o ironizam ao se dizer torcedor
fanático do clube.
Paulinho, aliás, nem lembra que o Impera joga hoje.
Seu lugar está vazio na arquibancada. Ele ainda está no aeroporto quando Neco e
Seu Antônio pulam sem parar na Vila Bandeira. Breno, o maior artilheiro da
história do clube, marcou o segundo para os donos da casa. Já eram jogados
quase quarenta minutos do segundo tempo, a vitória estava garantida.
O Impera venceu, mas novamente sem jogar bem. E mais
uma vez para um público decepcionante. A diretoria, porém, se recusa a pensar
em ingressos mais populares. Ela pensa em esperar que a boa fase volte para o
estádio lotar novamente. Esperar, diga-se, é outro ponto em comum aos três
personagens da história. Talvez o único, além do time do coração.
Paulinho também segue esperando um time forte e
jogando bem, brigando por títulos para, quem sabe, voltar a assistir um jogo no
estádio. Neco e o avô também esperam, mas apenas uma oportunidade para ver o
Impera de perto mais uma vez.
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Paulinho e Neco são apenas personagens fictícios,
claro, mas são também reais. Reais na medida em que as novas arenas surgem aos
montes no Brasil e o preço do ingresso sobe quase na mesma proporção. Você
mesmo deve conhecer diversos Necos e Paulinhos por aí.
É evidente que se entende a necessidade de um preço
maior que estádios menos modernos por conta dos custos de operação em setores
específicos. Alguns clubes, porém, simplesmente largaram o seu verdadeiro
torcedor em troca de receber ingressos caros de alguns simpatizantes que
acompanham o time na medida do possível – e dos resultados. Mas isso aqui já é
assunto para outro dia.
A primeira a sofrer o impacto dessa realidade de
elitização é a Arena Corinthians. O time estagnou depois de anos de bons
resultados e o simpatizante largou a equipe. É óbvio, o problema não é o
corintiano, mas o perfil do torcedor que vem frequentando o estádio. Como
também é, diga-se, o perfil de boa parte de outras arenas brasileiras, como o
Allianz Parque.
É bom lembrar, já que aparentemente alguns teimam em
esquecer, Neco e Seu Antônio podem perfeitamente viver sem ver os jogos do
Imperatriz (embora se recusem a concordar com isso). O Impera jamais viverá sem
seus torcedores.
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