Por meio de suas redes sociais, o FC Barcelona reacendeu uma discussão que, vez ou outra, volta à pauta no debate de futebol: seria Lionel Messi, o argentino canonizado na Catalunha, o maior da história do esporte? A questão foi reativada, dessa vez, por causa a um recorde que Messi pode atingir já nessa temporada; trata-se do de maior artilheiro por um único clube em gols oficiais. Pra fazer isso, Leo precisa tomar o posto de ninguém menos que Edson Arantes do Nascimento, vulgarmente conhecido como Pelé (ou, para nós, o Rei do Futebol).
A apenas 25 gols de
superar o brasileiro, apenas um milagre de Santa Dulce faria Messi não lograr o
recorde já em 2020. São, por baixo, 40 gols por ano pelo Barça; e isso há mais
de 10 anos... Porém, o debate futebolístico não pode se resumir a números. Messi está
a caminho de ser mais longevo do que Pelé, o que não significa, à prióri, que ele é maior.
Sempre que esses dois titãs se confrontam, a discussão pública se torna um ringue. Vamos aos principais argumentos:
Sempre que esses dois titãs se confrontam, a discussão pública se torna um ringue. Vamos aos principais argumentos:
Os discípulos de Pelé
reafirmam, sempre, que a convenção dos “jogos oficiais” é puramente europeia. Dos
anos 50-70 – quando o mineiro atuava – essa convenção não tinha tanta relevância assim. A maior parte das partidas, na realidade, tinha caráter extraoficial. Portanto,
seria injusto utilizar esse parâmetro se, antigamente, algumas partidas “não-oficiais”
possuíam a mesma importância das que o eram. E é por isso que os mais de 1200 gols de
Pelé deveriam valer muito mais do que brutamente a contagem escolhida: a maioria desses tentos, evidentemente, convertidos com a camisa santista.
Além disso, não existe
comparação entre a expressão dos dois jogadores à nível de seleção. Pelé é
tricampeão mundial e o artilheiro máximo do Brasil com mais de 100 gols. Messi
nunca conquistou, sequer, uma Copa América com a Argentina. Ainda que
Pelé tenha tido parceiros canônicos, Messi também teve alguns dos melhores do
planeta ao seu lado. E, nas três decisões que teve até então, bateu na trave; inclusive
perdendo pênalti decisivo, na Copa América de 2016, e uma chance clara em tempo
regular, na Copa do Mundo de 2014. Se Leo não consegue ser ídolo máximo em seu país
(onde sofre com o fantasma de Maradona), como poderia se consagrar o maior da
história?
Por outro lado, os
Messiânicos afirmam que esse debate é enviesado. No Brasil, primeiramente, é
óbvio que Messi encontra terreno infértil para uma discussão honesta: Pelé é o
principal responsável pela memória futebolística do brasileiro; talvez,
inclusive, seja a maior das figuras unânimes e sagradas da história do país.
Não existe, porém, outro lugar no mundo em que ele seja unanimidade: o site
oficial do Real Madrid, por exemplo, aponta Púskas como o maior da história;
muitos holandeses colocam Cruyff neste patamar. Essa suposta “unanimidade”,
portanto, só existe no Brasil.
Os defensores de Leo
colocam como argumento máximo a evolução do futebol: as evoluções tática e atlética,
por exemplo, resultam no fato de que atingimos o ápice, até então, de
competitividade no esporte. Nunca antes um jogador teve menos espaço para
jogar. O futebol, em seu nível médio, é muito mais competitivo e até profissional do que na época de Pelé. E
Messi faz tudo o que faz neste contexto, e não num contexto de profissionalismo
emergente – e não-consolidado –, como o fez Pelé.
Além disso, os
Messiânicos argumentam a decadência do futebol de seleções: a discussão sobre
os “títulos da seleção”, no contexto do futebol atual, seria totalmente anacrônico. O futebol de clubes, de fato, evoluiu a ponto de ser indiscutivelmente
superior ao de seleções. Na prática, os elencos de Barcelona, Liverpool, Bayern e City, por exemplo, são superiores aos das quatro seleções mais estreladas seleções do mundo. E os clubes ainda possuem mais tempo de trabalho. O auge técnico e tático do futebol, portanto, é hoje o
disputado em clubes: e, neste plano, Messi é indiscutível. A Champions League pode
não ter, hoje, a mística da Copa do Mundo; mas certamente tem nível técnico e
organizacional superior.
Há tantos e tantos argumentos para os dois lados. Peleístas argumentam o seguinte: a bola é, hoje, pensada
de acordo com a aerodinâmica que favorecerá a técnica do jogador. Se Pelé
jogasse com essa bola, e não com o chumbo com que brilhava, ele teria feito
ainda mais. Por outro lado, Messiânicos afirmam que se Messi jogasse em
uma época em que havia mais espaço para jogar, teria sido superior. Se para um lado
o pioneirismo de Pelé como atleta pesa, para o outro a superioridade técnica média é o argumento principal.
E, por fim, estariam os messiânicos
certos em dizer que hierarquizar jogadores é uma discussão puramente técnica,
excluindo-se conquistas coletivas? Ou seria essa só uma desculpa para eximir o
argentino de seus fracassos com a seleção?
Impasses à parte, poucos discordam que ambos são os melhores de suas respectivas épocas, e muito menos que os dois
revolucionaram o modo de se jogar futebol – de fato, alterações fundamentais no
plano tático foram feitas por treinadores adversários, nos dois casos, com o
objetivo de anular essas lendas. De fato, os dois são provavelmente os jogadores
que melhor dominaram todos os aspectos fundamentais do jogo ofensivo na
história do esporte.
A discussão sobre quem é
maior para a história do futebol sempre será problemática: primeiro porque os
futebóis das duas épocas são esportes completamente distintos; segundo porque é
impossível fazer um exercício completo de deslocamento de um jogador para o contexto do outro; terceiro porque as paixões afetivas, patrióticas e
proselitistas sempre enviesarão o debate; e, quarto, porque o debate sempre esbarra
na impossibilidade de se criar parâmetros justos e válidos para os diferentes
contextos.
Porém, a discussão voltará
à tona sempre que Messi bater mais um recorde. E os contra-argumentos se chocarão
com mesmos módulo e intensidade. Pra além de um veredito, uma visão última, indiscutível, sobre o assunto, deve-se dizer o seguinte: é, sim, legítimo
considerar Lionel Messi o melhor da história. Existem muitos argumentos em prol
dessa perspectiva. Assim como, do outro lado, Pelé também tem toda sua gama de
conquistas e argumentos em seu favor.
Afirmar que não há
discussão, porém, é característico de quem não permite que um debate honesto se
sobreponha a suas memórias afetivas e convicções arbitrárias. Isso, sim, é
absurdamente desonesto. Lionel Messi é o maior da história? Pode ser. E Pelé
também. Tudo depende do fundamento da argumentação. O resto é puro armazém de secos e molhados...
2 Comentários
Não sei de onde vem tanta transparência e tanta coesão. Parabéns, uma mente brilhante.
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluir