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Gramsci, Bella Ciao, Lucarelli e um Pouco de Futebol: AS Livorno Calcio




No dia 10/06/2019, Luca Salvetti vencia a eleiĂ§Ă£o para assumir como o prefeito de Livorno. Essa vitĂ³ria retirava do poder o "Movimento 5 Estrelas" (Partido PolĂ­tico anti-sistema) e devolvia a a liderança regional para um representante da "Frente de Esquerda". Essa vitĂ³ria mostra a identidade de uma regiĂ£o fortemente ligada com um espectro polĂ­tico, essa ligaĂ§Ă£o tambĂ©m pode ser observada no principal clube de futebol da cidade. 


A ligaĂ§Ă£o de Livorno com a "Esquerda" remonta ao inĂ­cio do sĂ©culo XX. Em 1921, um grupo liderado por Antonio Gramsci criou o Partido Comunista da ItĂ¡lia (PdCI) e escolheu Livorno como a sede, a escolha se deu porque essa cidade localizada na Toscana tem um dos portos mais importantes da ItĂ¡lia, os idealizadores do novo partido queriam se aproximar politicamente desse grupo de operĂ¡rios. Outro objetivo do novo partido era lutar contra a ascensĂ£o dos "Camisas Negras" (Movimento Fascista liderado por Benito Mussolini) que vinha ganhando força principalmente em Roma. 

O AS Livorno nasceu um pouco antes deste momento de agitaĂ§Ă£o polĂ­tica, ele foi o resultado da fusĂ£o de duas equipes locais que rivalizavam pela hegemonia do futebol local. No dia 14 de fevereiro de 1915, o SPES e o Virtus Juventusque foram unificados por um desejo comum que guiava os presidentes de suas respectivas instituições: Competitividade. 

Os dirigentes decidiram unir as forças desses dois clubes para que a cidade fosse representada por uma equipe com a capacidade de bater nas principais agremiações da "Bota" naquele perĂ­odo. A fusĂ£o somente foi anunciada 3 dias depois, ambos os presidentes sabiam que esse movimento seria polĂªmico e desagradaria os torcedores dos dois clubes, dessa forma, eles anunciaram a fundaĂ§Ă£o do AS Livorno quando todos os detalhes da unificaĂ§Ă£o jĂ¡ haviam sido realizados, nĂ£o haveria mais volta. 

Enquanto a "Esquerda" ganhava força em Livorno criando as bases para a criaĂ§Ă£o do PdCI, a jovem equipe local quase conseguiu satisfazer as pretensões de seus idealizadores com um tĂ­tulo. Na temporada 1919-20, o "Amaranth" (apelido do clube) chegou atĂ© a final da Primeira DivisĂ£o do Calcio, mas perdeu para a tradicional Inter de MilĂ£o por 3x2 com direito a um penalti perdido pela equipe toscana enquanto o placar ainda se encontrava no 0x0. 

2 anos apĂ³s o AS Livorno perder esta final, Benito Mussolini protagoniza a famosa "Marcha sobre Roma". Essa manifestaĂ§Ă£o fascista põe nas ruas de Roma mais de 30 mil "camisas negras", essa manifestaĂ§Ă£o pressiona o regime liderado pelo rei italiano Victor Emmanuel III que concede a Mussolini o posto de Primeiro-Ministro do governo. O fascismo tomou o poder, e Livorno sofreria as consequencias.

Em campo, o AS Livorno nĂ£o conseguiu repetir o feito da temporada 1919-20 nos anos posteriores, a equipe toscana se mantinha na primeira divisĂ£o sempre permanecendo em posições intermediĂ¡rias e, alĂ©m disso, perdeu o principal jogador (e artilheiro maior da histĂ³ria do clube) Mario Magnozzi que se transferiu para o Milan no final da dĂ©cada de 20. 

Se em campo as coisas nĂ£o iam bem, fora dele o caos era bem pior. Antonio Gramsci foi preso pelo seu papel de destaque como figura da "Esquerda Italiana".  Costanzo Ciano, ligado politicamente a Mussolini, tomou o poder da cidade de Livorno apĂ³s cercar a prefeitura e exigir a renuncia do edil socialista Uberto Mondolfi. Sedes de partidos de esquerda foram fechadas e lĂ­deres oposicionistas locais foram presos, Livorno jĂ¡ era famosa por ser um reduto da "Esquerda" e os cidadĂ£os daquela cidade sofreram uma forte opressĂ£o do governo central. Os livornenses e os demais italianos pelo paĂ­s que eram refratĂ¡rios ao regime tiveram que que encontrar diferentes formas de se manifestar.

Uma dessas maneiras ficou famosa atravĂ©s da sĂ©rie "La Casa de Papel", uma mĂºsica que Ă© tratada como um hino de resistĂªncia pelo mundo inteiro atĂ© os dias hoje. A "Bella Ciao" era invocada pelos "partizani" (grupos organizados que lutavam contra o regime fascista) como um grito de guerra que era acompanhado pelos cidadĂ£os comuns que nĂ£o concordavam com o governo liderado por Mussolini. Sendo uma cidade ligada com a "Esquerda" atĂ© os dias de hoje, os torcedores do "Amaranth" atĂ© hoje cantam essa mĂºsica na arquibancada do estĂ¡dio "Armando Pichi", casa da equipe local. 

Os anos passaram, Antonio Gramsci morreu no cĂ¡rcere, Mussolini foi morto por seus opositores mas uma coisa nĂ£o mudou: o AS Livorno nĂ£o conseguiu ser relevante esportivamente. AtĂ© a presente data, esse clube sĂ³ conquistou duas taças da "SĂ©rie B" e um caneco da "SĂ©rie C". A maior relevĂ¢ncia esportiva do clube nesse Ăºltimo sĂ©culo veio atravĂ©s do atacante Cristiano Lucarelli, um jogador que marcou a equipe dentro e fora do campo.

Lucarelli Ă© o  simbolo maior do clube porque sintetiza tudo que os livornenses esperam de um Ă­dolo. Ele nasceu em Livorno, seu pai que trabalhava no famoso porto era lĂ­der do Partido Comunista local e, em 1999, ele criou uma "torcida organizada"  chamada "Brigadas AutĂ´nomas Livornesas" de cunho comunista. AlĂ©m de sua origem e atuaĂ§Ă£o foram de campo, Lucarelli foi um bom atacante. 

Com a camisa do AS Livorno, Cristiano marcou 92 gols em 146 partidas. Ele tambĂ©m atuou em 6 oportunidades pela "Squadra Azzurra" balançando as redes 3 vezes, o seu principal tĂ­tulo em campo foi uma Taça da Espanha que ele conquistou pelo Valencia na temporada 1998-99. Ele tambĂ©m teve uma passagem relevante pelo Lecce, pela equipe do sul da ItĂ¡lia ele marcou 27 vezes em 59 partidas. 

Lucarelli se aposentou em 2012 e o AS Livorno nĂ£o obteve o mesmo sucesso esportivo do seu clube de coraĂ§Ă£o.  Desde entĂ£o, a equipe toscana se tornou um clube "iĂ´-iĂ´" que varia entre a segunda e a terceira divisĂ£o italiana. Na atual temporada, eles se encontram na Ăºltima colocaĂ§Ă£o da "SĂ©rie B" do Calcio.

Gramsci, Bella Ciao, Lucarelli. A histĂ³ria do AS Livorno se confunde com a trajetĂ³ria da sua cidade, ser torcedor do "Amaranth" nĂ£o tem a ver com conquistas ou vitĂ³rias.
Torcer para o AS Livorno Ă© marcar uma posiĂ§Ă£o polĂ­tica e demonstrar o amor pelas suas origens.

"O presente contém todo o passado." - Antonio Gramsci

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