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O camaleão corajoso de Domenec.

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Sigo o camarada Hugo Góes com quem divido a coluna:

ESTE CAMPEONATO NÃO DEVERIA ESTAR ACONTECENDO.

Dito isso, sigamos.


Domènec falou sobre o time ideal que tem em mente I Foto: Alexandre Vidal / Flamengo

(Foto: Alexandre Vidal/Flamengo)

 "Quem gosta de rodízio é churrascaria".

Ainda tive que ouvir isso essa semana.

Depois de algumas "polêmicas", que nem sabemos se existiram de fato, a imprensa brasileira passou a discutir o rodízio feito por Domenec no campeonato brasileiro. Culparam-no pelos maus resultados nas primeiras rodadas e especularam uma possível crise no vestiário da Gávea.

Isso tudo baseado em achismo e em um único episódio. Ao sair de campo contra o Fortaleza, Gabigol não falou com a imprensa. 

No entanto, ontem, após ser titular e fazer um dos gols do jogo, o camisa 9 também não falou com os jornalistas, o que desmente a teoria de que a causa de sua raiva seja o rodízio.

Dito isso, para que serve o rodízio?

1) Poupar os jogadores fisicamente.

Em um maratona de jogos tão absurda quanto teremos, o rodízio é obviamente a melhor escolha. Lembremos o que Jorge Jesus disse sobre o jogo com o Liverpool. "Fizemos 30 jogos a mais do que eles. Faltou perna no final". 

Com o elenco que temos hoje, o rodízio não é só necessário, mas benéfico.

2) Movimentar o elenco e motivar jogadores.

Revezar os atletas dá oportunidade aos jogadores do banco. Estimula e dá esperança de titularidade. Faz bem a concorrência. Faz com que tanto titulares e reservas mantenham a dedicação. Hoje, temos peças de reposição para praticamente todas as posições.

Eu defendo que Gabigol, Arrasca, Éverton e etc joguem a mesma quantidade de vezes que Pedro, Pedro Rocha e Michael? Não. Mas de cada cinco jogos, os reservas podem jogar um ou dois, não?

3) Criar alternativas e modificações no estilo de jogo que adaptem o time ao adversário.

É sobre esse tema o texto de hoje.


Dado esse preâmbulo sobre o rodízio, é importante lembrar que Domenec é um treinador em adaptação. Ao clima, aos jogadores, a língua, ao país, ao calendário, sabe-se lá mais a o que. Tudo isso faz diferença.

Comparar Domenec a Jesus é acima de tudo uma covardia. Primeiro, pelo sarrafo estar muito mais elevado agora. Segundo, pela diferença física. Terceiro, pelo tempo para treinar. Jesus teve uma intertemporada com duas semanas e teve CINCO semanas inteiras de treino após os primeiros oito jogos em intervalos curtos. Domenec não teve e não terá esse tempo.

A comparação também é cruel quando usamos a filosofia de Jesus, e não os resultados, para avaliar Domenec. Não é porque Jesus poupava menos os titulares ou porque jogava sempre da mesma maneira que o catalão precisa fazer igual.

Talvez a ligação com Guardiola tenha contribuído para isso também. Essa associação direta fez com que muitos esperassem de Domenec uma rigidez absurda pela posse de bola, uma obsessão pelo ataque, e um jogo similar ao do maior treinador do planeta.

Mas não. 

O que estamos vendo é um Flamengo camaleônico.

Seja por estar fazendo experiência, pelo rodízio, ou por escolha, Domenec tem variado o jogo rubro-negro com certa frequência. E mostrado que consegue vencer de variadas maneiras.

Contra o Santos, o Flamengo venceu jogando como time reativo. Não foi um bom jogo. Nem nosso nem dos adversários, e ficou pior ainda por causa da arbitragem. Mas ali, o Flamengo esperava de trás e subia os contra-ataques com velocidade. O gol saiu em um deles, mas foram várias as jogadas em que os contra-ataques foram bem armadas. 

Ali, eram dois pontas rápidos (Bruno Henrique e Michael), com Arrasca e Gabigol próximos para realizarem as trocas de passe rápidas pelo meio, ou os lançamentos para as pontas. Saímos vencendo, e tivemos as melhores chances do jogo.

Naquele mesmo dia, Domenec teve o melhor momento na partida quando mudou completamente a ideia de jogo. Tirou os pontas e povoou o meio de campo. Criou superioridade e cadência. Criamos ainda mais chances, e Gabigol perdeu várias delas.

Contra o Bahia, o time foi outro. O Flamengo atacou em blocos, ganhando superioridade no ataque e pressionando a saída de bola adversária. Dali saiu o gol de Pedro e as principais chances do primeiro tempo, com os quatro jogadores da frente infernizando a defesa baiana. 

Ali tínhamos jogo pelos lados, mas não com dois pontas. Pedro Rocha dava velocidade pela esquerda enquanto na direita o lateral Isla passava voando pelas costas de Éverton Ribeiro.

No meio, Pedro criava referência e Arrascaeta flutuava por dentro.

Por quê essa escolha? 

Domenec sabia que o Bahia sairia tocando a bola, por natureza, mas com zagueiros que não tinham tanta qualidade. Também sabia que os zagueiros eram pesados, então precisava de um centroavante que os segurasse na área enquanto Arrasca flutuava. Resultado: Dois gols do uruguaio, dois gols de Pedro.

Contra o fortaleza, o estilo se repetiu em parte. O primeiro tempo foi de muita pressão na saída de bola. Imaginando que o time cearense se retrairia na defesa, fechando os espaços, Dome não precisava de Pedro Rocha dando velocidade pelas pontas, mas do drible em espaço curto de Michael. Precisou de um Éverton Ribeiro ainda mais móvel, e por isso usou Arão no meio ao invés de Thiago Maia, porque ele cobriria melhor as recuperações de bola. Sabia também que o Fortaleza daria muitos chutões, então precisou de alguém mais alto na disputa de bola.

A mobilidade de Éverton foi responsável por seu gol mas também pela exposição de Isla que resultou no gol do Fortaleza. Arriscou.

Foi corajoso. É isso que devemos procurar em comum com Jorge Jesus.

Contra o Fluminense, a lógica foi outra. Dome percebeu como a defesa tricolor fecha bem as laterais. Para isso, precisava de um jogo mais por dentro. Sabia também que Odair congestionaria o meio de campo. Escolheu a arma para combatê-lo: passes rápidos, atração e bola em profundidade para Gabigol.

A última etapa não deu certo, porque Gabigol ainda está devendo fisicamente.

Mas ficou clara a aproximação do quadrado formado por Diego, Gérson, Éverton e Arrasca. Os pontas afunilavam e criavam corredores nas laterais, ao mesmo tempo em que criavam uma posse de triangulações e movimentações que confundiam o meio campo do Flu. 

Atrás do quadrado estava Thiago Maia, que defende menos que Arão mas distribui melhor o jogo e é mais ágil na troca de passes, tocando mais de primeira.

O Flamengo fez seu melhor tempo, mesmo sem precisar tanto da bola. Não teve posse de bola absurda, mas era uma posse envolvente, que era efetiva.


Nas quatro vitórias, reparem como Arrasca foi usado de maneiras variadas. Foi mais atacante, mais meia por dentro, mais ponta fixo ou mais ponta armador. Éverton também se deslocou várias vezes.

No meio, Thiago Maia já foi mais avançado e já foi primeiro volante. Gérson, que talvez seja o que menos tenha se encontrado na variação de posições, foi primeiro volante, segundo volante, e ontem chegou ser um meia central, colado em Gabigol.


É claro que nos segundos tempos o time se desconfigura. O cansaço bate. Ainda não estamos 100% fisicamente, e nem ficaremos em nenhum momento desta temporada. E com cinco substituições não há estrutura que aguente o mesmo estilo de jogo a ser proposto.

Isso inclusive passa a impressão de que Domenec mexe mal. De fato, ele erra algumas vezes e fez várias trapalhadas nos primeiros jogos.

Mas ontem por exemplo, no segundo tempo, o catalão já usava as substituições para treinar novos esquemas, variando a proposta de jogo intencionalmente.

"A gente joga no treino, e treina no jogo", disse Gabigol.


O Flamengo de Domenec já foi 4-1-3-2, 4-2-3-1, já foi 4-4-2, 4-2-4 e até um 3-6-1 muito do mequetrefe.

Já teve pontas rápidao, pontas dribladores, e pontas meias. Jogou com centroavante fixo, centroavante móvel e falso 9. Foi reativo e propositivo. Controlou a posse e já a deixou mais solta. Marcou alto e marcou baixo.

Várias maneiras de jogar, várias maneiras de vencer.


Por isso, mais do que por questão física, o rodízio aparentemente faz parte da filosofia de Domenec.

Ao contrário de Jesus, ou mesmo de seu mestre Guardiola, o nosso catalão parece ser desses maleáveis, que muda o jogo conforme o adversário. É claro que Jesus também o fazia, e também usou variadas maneiras de vencer no ano passado. No entanto, com Domenec, a frequência será ainda maior.


No futebol, não há um jeito certo de jogar. Existem vários. 

Jesus fazia do seu jeito, Domenec faz de outro. E não tem problema nenhum.

Ninguém será igual a Jesus. O rubro-negro precisa entender isso. Nem Jesus seria em 2020 o mesmo Jesus que foi em 2019, muito menos seria igual ao que viveu na Judeia há 2020 anos atrás.

O que eu espero é que as vitórias de Domenec nos desprendam um pouco dessa nostalgia bitolada, de que o objetivo é voltar a 2019.

Não é. Não voltaremos. O objetivo é sempre ser diferente, sempre melhorar.


O importante é compreender algumas coisas como valores fundamentais. Independente do desenho tático ou das peças em campo, os dois Flamengos parecem tem uma identidade em comum.

O Flamengo ataca. O Flamengo fere. O Flamengo morde.

O Flamengo controla, seja pela posse ou pela reatividade.

O Flamengo age no jogo. É audacioso. Se arrisca.

É corajoso.


O Flamengo de Jesus era uma rocha. Do mesmo jeito quase sempre.

O de 2020 é maleável.

É óbvio que ainda precisa melhorar muito. O sistema defensivo principalmente. E algumas peças ainda precisam se ajustar na engrenagem do treinador, que ainda está conhecendo alguns jogadores.

Porém, uma coisa já parece certa. 

O Flamengo mudará em todos os jogos, quer você goste ou não. Mas continuará para frente, mordendo, atacando e, tomara, vencendo.

Será o camaleão corajoso de Domenec.


No mais,

Saudações rubro-negras.

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