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O calmo no meio do caos: O Fla perdido de Domenec

(Imagem: Alexandre Vidal/Flamengo)

Nas vésperas do primeiro aniversário da apoteose rubro-negra de Lima, os ventos costumeiros de crise rondam a Gávea com força e com gosto. Bom, que o intervalo entre um e outro tenha demorado quase uma volta no sol seria de se comemorar se o Flamengo fosse um clube normal.

Mas não é. A maior instituição pertencente ao universo da maior invenção do homem, como tudo que é grande, não se contenta com menos do que, atingido o topo, permanecer nele.

Todos sabem que continuar no topo é muito mais difícil do que chegar nele, e esse pensamento seria comum em qualquer lugar. Eis que a força incontrolável da massa rubro-negra, mesmo separada fisicamente por uma pandemia, atropela um catalão simpático que, aparentemente, não entendeu onde estava.

Domenec não faz uma mal trabalho, e nem é o único culpado da crise na Gávea. Tudo já vinha meio esquisito há algum tempo.

Acontece que três confrontos diretos decepcionantes e a maternidade generosa da defesa rubro-negra jogam todos os holofotes sobre o simpático catalão.

A verdade é que o Flamengo é, e sempre foi, uma zona.

E tem vocação pra isso. 

Afinal, tudo que é enorme sofre pitaco de tudo que é lado e todo mundo quer um pedaço. Do sujeito mais alegre e concentrado, ao maltrapilho e o cartola sujo e mesquinho.

A confusão, os trancos e barrancos, e a esquizofrenia compõem o ethos rubro-negro, tão brasileiro quanto possível.

E era assim até junho de 2019. Em maio, tinha diretor chamando a torcida de burra em rede nacional enquanto a massa fazia protesto dos mais criativos nos muros do clube. O time vencia com virada espetacular no Maracanã e o técnico saía achincalhado pela torcida enquanto era escoltado pelos jogadores.

Mas aí apareceu um português ensandecido e controlador, que pôs ordem na casa e nos deu um semestre perfeito.

Tudo funcionava, tudo era lindo, do início ao fim. Por causa da apoteose do dia anterior, no dia 24 de novembro de 2019 os cartolas mesquinhos chamaram a massa pra rua e todos comemoraram juntos ao som de muito funk.

Mas nem o Jesus rubro-negro sobreviveu à zona. A patifaria dos cartolas criava confusão até em meio ao consenso e metia os pés pelas mãos enquanto uma pandemia deixava tudo ainda mais embaralhado.

Aí aterrizou aqui o catalão gente boa.

Que não entendeu o contexto, o tamanho do clube e muito menos a confusão.

Não à toa já queriam a cabeça dele depois dos dois primeiros jogos.

Tudo porque o catalão não fez o que a torcida e a imprensa esperavam: manter a estrutura e o jeito de jogar.

Dome tentou mudar radicalmente o time e, é óbvio, levaria tempo para que ele se ajustasse.

Tempo que não existia. Ele sempre soube disso. Mas esperava que o time e a torcida fossem arrefecer com os meses, se acostumassem a ele e a sua maneira. Na Europa, seria o modus operandi normal.

Foi o que ele viu seu mestre fazer quando chegou no Bayern campeão de tudo.

Mas Brasil não é Europa, e o Flamengo não é o Bayern.

Lá, deu certo com o tempo. Aqui, Dome teve que lidar com lesões em profusão, altitude, convocações pra seleção, lesões, surto de covid e líder do elenco abandonando o barco gradativamente.

Assim, não há processo de assimilação que aguente.

Repito, o trabalho de Domenec não é ruim. É incompleto. 

Na frente, os conceitos já estão estabelecidos e o progresso é perceptível. Falta a última parte do processo e com o tempo talvez o catalão ajeitasse a defesa.

Mas Dome não tem tempo.

E é por isso que não conseguiu ajeitar o time a tempo de estar tinindo em novembro e vencendo os confrontos diretos que precisava.

Mas não adianta dar essa desculpa.

Dome está lidando com uma torcida que esperava vencer absolutamente tudo de novo. Não tem paciência. Não tem conversa.

Não tem espaço pra tomar 5x0, 4x1 e 4x0 em jogos grandes.

Então está no erro ele, mas cadê a direção pra escolher pro homem o contexto?

Cadê o conselho gestor pra cortar o mal pela raiz quando viu o catalão mudando o estilo de jogo, sabendo no que ia dar?

Cadê o diretor de futebol pra explicar pro catalão que novembro de 2019 é sagrado, e não se mexe nessa memória, muito menos frente aos protagonistas dela?

O antes silencioso gelo no sangue, agora é barulhento e ineficiente. Não à toa a coisa foi pro brejo nas semanas pré eleições, na qual Marcos Braz sai candidato a vereador.

22222 é o número de Braz. Somados dão 10. Dez é o número de gols que o Flamengo tomou nos últimos três jogos pelo Brasileirão.

A zaga é uma bagunça, mas não é só ela. O Flamengo tem vocação pra isso.

2019 foi a exceção que confirma a regra.

O normal é a crise na Gávea.

Não estou dizendo que o Flamengo não pode ser campeão desse jeito. Claro que pode, como fez ao longo de toda a sua história. Pode ainda ser campeão de tudo.

Afinal, o Flamengo ainda é o único time campeão brasileiro a ter tomado de cinco e de quatro consecutivamente. E fez isso com um ex-aposentado e um sérvio de 37 anos.

Mas olhando tudo isso, não é difícil entender como a coisa toda chegou nesse ponto.

A coisa está indo pro brejo com Dome? Está.

Ele tem culpa? Claro que tem.

Mas não é só dele. O europeu racional esperava ordem e tranquilidade, mas encontrou o caldeirão esquizofrênico do Brasil e um clube que mostra mais uma vez a sua vocação para a confusão.

Torcendo ilusoriamente por um pouco mais de ordem e de consciência,

Saudações Rubro-Negras

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