Ontem passei um dia excelente. Surpreendentemente bom em tempos de pandemia. Tive notícias boas do trabalho, um dia tranquilo, um almoço gostoso. E tinha também total clareza de que o Flamengo arruinaria tudo isso, falo com tranquilidade.
Esperei pelo jogo como alguém que aguarda o abate. O time não inspirava nenhuma confiança, Rogério Ceni enlouquece o torcedor rubro-negro todo jogo e do outro lado vinha um Palmeiras embalado.
Algumas horas antes do jogo, absolutamente todos os rubro-negros que faziam piada com o massacre que levaríamos com a tom de galhofa que nos é característico.
Até o momento em que saiu a escalação.
Arão na zaga, Diego e Gérson na volância.
Era loucura. O erro de estratégia e de leitura era de um absurdo tão grande, mas tão grande, que ali eu tive certeza.
De algum jeito ganharíamos esse jogo.
Podia ser jogando mal, tomando baile e a bola entrando no gol palmeirense por sorte, com gol da vitória impedido com erro de VAR ou sei lá. Já conseguia visualizar o 1x0 com gol contra ou gol de um jogador aleatório.
Pelo simples motivo de que assim funciona o Flamengo. Tem certos momentos em que o rubro-negro sabe, ele tem certeza de que é exatamente por dar toda pinta de que vai tomar um escovada que o time vai vencer.
Nenhuma, repito, nenhuma instituição, entidade ou seja lá como se define um clube de futebol tem tanta vocação para o imprevisível e o improvável como o Clube de Regatas do Flamengo.
É essa mesma vocação que faz com que o melhor time dos últimos 20 anos em terras brasileiras se desmanche em três meses. Faz parte. Efeito colateral.
Você só não pode enunciar essas intuições em voz alta, porque a zica é mais implacável.
O problema dessa certeza é que o time eventualmente as vezes faz questão de tentar você a desacreditar dos seus instintos. Aos 3min, quando William perdeu gol sem goleiro, eu já me arrependia de botar minha fé no meu rubro-negrismo.
Mas o time foi crescendo, crescendo e quando percebemos o Fla fazia seus melhores trinta minutos sob o comando de Rogério Ceni. Jogo absolutamente controlado no meio de campo, algumas movimentações interessantes e uma defesa que se portava bem. Que alívio.
Só que continuava a saga dos gols perdidos. Gabi perdeu o gol por absoluta displicência tentando achar Arrascaeta. Depois foi a vez de Gérson e Gabigol desperdiçarem outra chance. É inacreditável a quantidade de chances perdidas pelo Flamengo nesse brasileiro.
"Nesse jogo não pode perder gol assim."
E a bola parecia querer punir o rubro-negro. Aos 32, Rodrigo Caio se machuca. Pânico.
Era o jogador mais importante no jogo de ontem. Saída de bola com tranquilidade, velocidade na transição defensiva e o único bom zagueiro. Era o homem da defesa.
No lugar dele, Gustavo Henrique. Num jogo de transição rápida do Palmeiras, virava o óbvio ponto fraco.
Dali pra frente, só deu Palmeiras. Se eles tinham ficado 30 minutos recuados, agora ocupavam o campo rubro-negro. Não criaram, mas ocuparam e dali a nítida impressão racional era de que o jogo do Flamengo tinha degringolado.
Mas, como eu disse, é exatamente quando isso acontece que o pacto com o sobrenatural aparece.
O vizinho gritou e eu já sabia que era gol. Ainda tive que esperar uns 40s no meu link atrasado até Arrasca dominar a bola, quando o zagueiro chegou nela um grande "UÉ!" ficou estampado em minha testada. Quando a bola entrou eu tive a certeza. Não havia a menor chance do Palmeiras sair dali sem ser derrotado.
E tive mais certeza ainda quando aos 9 do segundo tempo o Palmeiras teve uma chance tão clara, mas tão clara, que sua perda se misturou na tela da minha TV com um grande imagem que dizia "Hoje não, Faro".
O problema é que dali em diante Rogério Ceni resolver testar não só a certeza rubro-negra como a paciência de todos os flamenguistas.
O problema pessoal com Natan é evidente, porque sem meio de campo a substituição de um algum meia pelo garoto e a utilização de Arão no meio de campo era simples. Não só ele morreu com Arão na zaga como tirou Arrasca, o mais perigoso em campo. Depois um combo de substituições incompreensíveis apareceram. Quando o Palmeiras dominava cada vez mais o jogo, o São Paulino que senta no banco rubro-negro jogou o time todo pra frente, com Vitinho, Pedro e o suposto atleta Pepê.
"Só pode ser mal intencionado", era a frase comum dos grupos de rubro-negros.
Mas, é aquilo, a improbabilidade sempre aparece. E para acalentar os corações rubro-negros ela veio de novo do modo mais improvável.
Gérson estava caído no chão em atendimento quando o vizinho gritou e a notificação no celular aparece com a mensagem "Gol do Pepê".
Antes mesmo de a bola entrar no meu link pirata eu já replicava a msg em caixa alta repetidamente:
"GOL DO PEPÊ!
GOL DO PEPÊ!
GOL DO PEPÊ!"
Quando a bola finalmente entrou e a ficha caiu, eu disparava nos grupos:
"QUE GOLAÇO DO PEPÊ!" e alternava com "VEM GOL CAGADO 2.0!"
E estava decretado o fim. Estava na cara que o Flamengo venceria o jogo assim como estava na cara o gol do atleta Pepê.
Acabou que não foi 1x0 com gol contra ou gol de um jogador improvável. Mas 2x0 com gol contra e também um gol de jogador improvável.
Se você o conhece bem, é muito fácil entender o Flamengo.
De insegurança em torno da permanência no G6 o rubro-negro agora volta a acreditar no título e as comparações com 2009 já atravessam a cabeça dos rubro-negros.
O final dessa história eu não digo, para não estragar.
Mas todos já sabemos o que vai acontecer.
No mais,
Fora Rogério Ceni quando o campeonato acabar
e Saudações Rubro-negras!
Por Gabriel Félix
Colunista do Flamengo pelo Linha de Fundo.
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