O Dia da Consciência Negra é sobre luta e conquista. No futebol não poderia ser diferente.
Jorge Aragão e Acyr Marques foram bastante pontuais quando disseram que "não dá pra fugir dessa coisa de pele". E não dá mesmo. Pra onde eu for, carrego comigo minha cor, meus traços negroides e meu cabelo crespo e volumoso. A soma dessas características chega a seus olhos muito antes que eu chegue, que chegue minha personalidade, minha formação acadêmica e até meu time de futebol. Enxergam meu fenótipo antes mesmo de me conhecerem.
E sempre foi assim.
Séculos antes da chegada do futebol ao Brasil, a sociedade já sabia quem era o preto (sempre souberam). Primeiro era aquele incivilizado, inferior, amaldiçoado, bárbaro, que podia ser sequestrado, comprado, trocado por qualquer coisa e sofrer as mais diversas formas de violência e apagamento, porque não era gente, era bicho, era pior que bicho, e merecia ser tratado como tal.
Depois era o escravo, o objeto que todo cidadão digno deveria possuir. Aos montes, de preferência, pois conferia prestígio. Para que fosse usado, abusado, sem qualquer garantia de direitos, na casa, na roça, carregando baldes de excrementos. Mas pera aí, converta ele. Converta para que a alma não seja condenada ao inferno. Você não vai querer que ninguém passe a eternidade em sofrimento, certo?
Por fim, era o feio, o cabelo ruim, o sujo, o malandro, o criminoso, o sexualizado, o mau, o cancelável, aquele a quem se deve temer, o propenso a cometer atrocidades, que não pode ser perdoado, mas pode seguir sendo agredido e desumanizado. Calma lá, foi um racismo leve, na realidade isso nem é racismo. Eu tenho amigos pretos, porque eu seria racista?
A Consciência Negra e o futebol
Hoje (20), comemoramos o Dia da Consciência Negra, mas nessa mesma semana, na última quinta-feira (18), assistimos atônitos ao Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (personificado por alguns velhos brancos), acatar o recurso e absolver o Brusque da punição de 3 míseros pontos no Campeonato Brasileiro série B, após o presidente do CD do Brusque, Júlio Antônio Petermann proferir contra Celsinho, do Londrina às seguintes palavras: " vai cortar esse cabelo, seu cachopa de abelha". Júlio apenas recebeu uma suspensão de 360 dias e deve pagar uma multa de 30 mil reais, porque o STJD decidiu que não houve racismo suficiente.
Mais um duro golpe em quem nunca deixou de apanhar.
Foi com Celsinho. Mas foi comigo também. E com outras milhares de pessoas pretas que apesar das individualidades sentem a dor do outro como se fosse sua, porque é mesmo sua. E Celsinho não é o único. Não se trata de um caso isolado. O Observatório Racial do Futebol, mapeia através do Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol os casos de racismo ligados à modalidade no Brasil, você pode encontrar os relatórios aqui. O projeto também conta com a publicação de textos periódicos sobre casos que envolvem racismo e outros tipos de preconceito no meio esportivo.
Eu gostaria que esse texto tivesse tomado outro caminho. Queria falar aqui que a gente é muito mais do que o racismo faz crer e celebrar a atuação de tantos profissionais do futebol pretos ilustres, já que são tantos, eu teria muita dificuldade em selecionar quais viriam pra cá. Mas não dá pra fugir dessa coisa de pele, entende? Eu sei bem quem vai entender.
A população preta precisa de justiça social, de protagonismo e identificação. Precisamos ocupar todos os lugares, incluindo o meio futebolístico. Jogadores pretos até temos aos montes e estes seguem recebendo criticas e cobranças muito mais pesadas por parte do público e da imprensa, mas onde estão os técnicos, dirigentes, presidentes de federações, narradores, comentaristas, jornalistas, árbitros e etc? Queremos mais. Queremos nos ver na tela, fora dela e em todos os lugares.
E para os milhares de Celsinhos que existem no nosso país, as meninas e meninos de cabelo crespo e cacheado, de lábios grandes, nariz largo e pele preta, eu desejo que lembrem do que o grande Jorge Aragão entoa: nem tudo que é bom vem de fora.
É fato que o futebol brasileiro nem sempre foi preto, na realidade foi branco durante muito tempo e ainda teima em ser. Mas esse esporte plural e democrático só é o que é hoje, porque passou por inúmeros pés, mãos e corações de pretos e pretas do nosso Brasil que seguem vestindo a camisa.
Gabryele Martins
1 Comentários
Infelizmente parte de nossa sociedade teima em não querer enxergar o preto como gente,ser humano,digno de respeito...afinal todos são iguais perante a lei será????
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