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Aprendi com minha rubro-negra favorita


LĂ¡ na minha casa sempre foi da mesma forma em dia de jogo. FamĂ­lia reunida, todos de vermelho e preto e a enorme expectativa pela partida que logo iria começar. Nas frequentes idas ao MaracanĂ£, novamente unidos, saĂ­amos para buscar mais uma vitĂ³ria. Acima de tudo, o mais importante era sempre estarmos lĂ¡, nas derrotas e nas vitĂ³rias. Sempre foi mais divertido quando estĂ¡vamos juntos.

Minha avĂ³ era uma figura diferente. Era daquelas rubro-negras que queriam tudo de Flamengo, de preferĂªncia a casa inteira. Jogo domingo, sĂ¡bado, quarta, para ela nĂ£o importava. Iria ao MaracanĂ£ atĂ© segunda dez horas da noite se fosse necessĂ¡rio. Cada mĂºsica nova nas arquibancadas era escrita em um papel qualquer para ela poder acompanhar junto com a torcida, afinal, de que adiantava estar no estĂ¡dio sem torcer? Ela ficava nervosa, se escondia atrĂ¡s das netas e pedia para avisar quando a bola saĂ­sse de perto da nossa Ă¡rea. Era difĂ­cil ver o Mais Querido levar gol, doloroso. Sofria nos 90 minutos, independente do adversĂ¡rio. Mas a cada gol era uma vibraĂ§Ă£o que deixava cada grito aliviado ainda mais feliz. NĂ£o podiam faltar os trĂªs pulinhos para SĂ£o Longuinho, uma espĂ©cie de tradiĂ§Ă£o particular.

SaĂ­amos do MaracanĂ£ cantando todas Ă s musicas com uma animaĂ§Ă£o depois das vitĂ³rias que sĂ³ aumentava pelas brincadeiras em famĂ­lia. Tudo parecia mais leve nesses momentos, atĂ© quando o resultado nĂ£o era o melhor. Mesmo que ficĂ¡ssemos irritados com o time e insistĂ­ssemos que nĂ£o irĂ­amos mais aos jogos, no prĂ³ximo jĂ¡ estĂ¡vamos lĂ¡ fazendo as mesmas coisas. O clĂ¡ssico espĂ­rito de torcedor.

Dona Zilda queria viver Flamengo atĂ© nos momentos mais complicados. Mesmo depois do cĂ¢ncer de intestino, ela ia, usando uma bolsa de colostomia, para o EngenhĂ£o porque fazia questĂ£o de estar lĂ¡. Nem nos piores dias ela desanimou, pois sabia que ainda tinha que ir ao Maraca muitas vezes. Como seu mĂ©dico sempre disse, sangue de mulambo Ă© forte, Ă© ruim levar a gente.

Ela viveu 68 anos sem ver o Flamengo ser rebaixado. Viveu o melhor MaracanĂ£ e o novo tambĂ©m. Conheceu uma torcida que era a essĂªncia rubro-negra. Viu vitorias, derrotas, decepções, tĂ­tulos. Minha avĂ³ pĂ´de acompanhar o melhor e o pior do time que mais amou. Quando conversei com ela pela Ăºltima vez no WhatsApp, falĂ¡vamos sobre mais uma partida. O Mais Querido jogava mal e tinha acabado de levar o empate. Sua Ăºltima mensagem para mim foi "Vamos ter fĂ©, ainda dĂ¡ tempo pra ganhar". E essa sempre foi ela.

Zildinha, como carinhosamente chamĂ¡vamos, acreditava em cada minuto. Quando todos jĂ¡ esperavam uma derrota, ela falava que irĂ­amos golear. Ela nunca deixava a esperança morrer antes do apito final. No dia 10/02 o Flamengo entrou em campo pela primeira vez desde que ela tinha sido internada. Mas tenho certeza que ela, de algum lugar, acompanhava e torcia novamente. Contra a Portuguesa, o rubro-negro jogou como nunca e venceu como nĂ£o vĂ­amos hĂ¡ anos. Sei que ela sabia que, mesmo com toda dor que aquele momento nos causava, nĂ³s estĂ¡vamos felizes. E assim, exatamente apĂ³s o gol de Rodinei que fechou o placar, ela cumpriu sua missĂ£o e nos deixou aqui, morrendo de saudade.



Hoje faz um mĂªs que ela foi embora e a saudade sĂ³ aumenta. A cada jogo eu sei que falta alguma coisa. Cada vez que seu tĂ£o adorado Guerrero marca, sei que ela comemora lĂ¡ em cima. Sem perceber, completarĂ¡ dois meses, um ano, uma dĂ©cada sem ela. PorĂ©m, nĂ£o lembrarei com tristeza, pois ela me deixou a maior herança que eu poderia ter: deixou-me seu amor por mim e sua paixĂ£o pelo Flamengo. Aprendi com minha rubro-negra favorita que nem sempre o jogo, no campo ou na vida, serĂ¡ fĂ¡cil, mas que, mesmo que o resultado esteja ruim, sempre hĂ¡ tempo para uma virada inesperada.

Mariana SĂ¡ || @imastargirl 

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1 ComentĂ¡rios

  1. Quanta sensibilidade! Lindo o seu texto, Mariana. Os rubro-negros estĂ£o orgulhosos de vocĂª. Sua avĂ³ foi uma flamenguista muito querida! ParabĂ©ns pelas belas palavras...

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