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Pra nunca mais esquecer


Um dos melhores jogos da minha vida. Com certeza o melhor que vi no MaracanĂ£. Daqueles jogos que te ensinam tudo o que vocĂª precisa saber sobre futebol, pra educar meninos, homens, times, clubes e torcidas.

Cheguei no MaracanĂ£ cedo e Ă  paisana. O clĂ¡ssico dos milhões Ă© o Ăºnico que faço isso, por juĂ­zo e por tradiĂ§Ă£o.

Sentado na arquibancada, papo vai, pai vem e ouço um grito.

"-Tira uma foto nossa?"

Uma famĂ­lia inteira de rubro-negros atrĂ¡s de mim. Deviam ter umas 15 pessoas. Coisa linda. Na frente dois garotinhos de uns 9 anos, em seu primeiro FlamengoxVasco. Lembrei de mim.

Fui educado em clĂ¡ssicos como esse. As 6 primeiras vezes em que fui ao MaracanĂ£, dos 4 aos 9 anos, todas foram em jogos com o Vasco. Aprendi a ser torcedor assim. Aprendi ontem de novo.

A expectativa era clara. Com o time que temos, era fazer um gol e acalmar o time, se poupando em campo pra daqui a 10 dias. O time entra, a massa puxa, e em 40s a bola tĂ¡ lĂ¡. Jogadaça de Reinier e gol de Everton Ribeiro.

"Pronto. Acabou o jogo." Foi o que mais se ouviu na arquibancada rubro-negra.  E talvez atĂ© na vascaĂ­na. Todos tolos.

Depois do gol, o Fla sentou em cima do resultado, como jĂ¡ vem fazendo hĂ¡ uns 4 jogos. SĂ³ joga quando precisa, em momentos especĂ­ficos do jogo. Ontem fez isso, mas desrespeitou-se o Vasco. Primeiro ensinamento: Jamais se subestima um rival.

O Flamengo jogava mal por si sĂ³, mas o Vasco tambĂ©m ajudava. Vanderlei armou a melhor de todas as arapucas que vi o time de Jesus sofrer. Eram 4 volantes e dois pontas no time. Mas os volantes formavam um losango, e os do meio jogavam de trĂ¡s. O meio do ataque do Vasco era um espaço vazio e o time sĂ³ tinha pontas.

O que acontecia? Os zagueiros ficavam perdidos, assim como os volantes. Nas laterais, eram sempre trĂªs do Vasco contra dois defensores em linha alta, dando campo demais atrĂ¡s da zaga. Ainda assim, o jogo era minimamente controlado. O Vasco era melhor mas o Flamengo ditava o ritmo. 

Mas falhou. Rodrigo Caio subiu na troca de passes. O time nĂ£o cruzou e tomou o contra ataque com um a menos na zaga. Empate.

TrĂªs minutos depois, Pikachu entre dois deu caneta inadmissĂ­vel em Pablo MarĂ­ (noite tenebrosa) e sofreu pĂªnalti de Rodrigo Caio. Gol de Marcos Junior. Ensinamento dois: nunca subestime o jogador com mais vontade que vocĂª. 

E o Fla perde controle. Irritado com um virada inĂ©dita sobre si, incorpora o espĂ­rito de: "Como ousa, Vasco?". Jogadores se esquentam e erram bolas fĂ¡ceis. 

No Ăºltimo lance do primeiro tempo, falta na entrada da Ă¡rea. Jogada ensaiada, bola rolada a Rafinha, cruzamento e desvio 2x2. Com direito a provocaĂ§Ă£o a rival e comentarista. Ensinamento trĂªs: no ruim, vai na bola parada.

Pensamento na arquibancada Ă©: depois da pane, agora vai vir o atropelo. Começa o segundo tempo e vem o ensinamento trĂªs: o futebol Ă© imprevisĂ­vel. Troca de passes com defesa tonta. 3x2 Vasco.

Torcida arriou como hĂ¡ muito nĂ£o fazia. Por uns 5minutos. Quando o Fla começou a apertar a massa explodiu de novo. Resolveram jogar e a segunda bola começou a ser nossa. A pressĂ£o virou contĂ­nua. Era questĂ£o de tempo.

Com a massa lĂ¡ em cima puxando, a tabela entre Bruno Henrique e Arrascaeta deu bom. 3x3. Ensinamento quatro: torcida puxa faz gol sim.

A pressĂ£o era maior. Jesus pĂ´s o time pra frente. Vitinho entrou e fez bagunça. Cruzamento encontrou Bruno Henrique e ele, de novo, pĂ´s pra dentro estufando a rede. Flamengo 4x3.

Ă“dio. O volume da arquibancada subiu nas alturas. Teve gente caindo degraus, quebrando cadeira com chute, fazendo de tudo. Mais atĂ© que no jogo contra o GrĂªmio. LĂ¡ foi de felicidade. Agora era Ă³dio. Ensinamento cinco: nada, nada, nada Ă© tĂ£o bom quanto ganhar um jogo apertado contra o seu maior rival.

Olhei pra trĂ¡s e vi os garotinhos lĂ¡ do inĂ­cio, que jĂ¡ tinha atĂ© esquecido. Nessa hora encontrei atĂ© aluna minha que nem percebi do meu lado. E a Ăºnica coisa em que eu pensava era:

"Esses moleques nunca mais vĂ£o esquecer."

Mal sabia eu que pelos motivos errados.

Com jogo nas mĂ£os era sĂ³ esperar o apito final. O time arriava pro modo "poupando-se" e esperava. 

Luxa abstraiu e foi pra cima. E deu certo. Bola na Ă¡rea, time desatento, bola perdida por Pablo MarĂ­, saĂ­da errada de Diego Alves. Gol de Ribamar.

R-I-B-A-M-A-R.

Ensinamento seis: o jogo sĂ³ acaba quando termina.

Flamengo 4x4 Vasco.

NinguĂ©m podia esperar. NinguĂ©m podia nem imaginar. Mas o futebol Ă© absolutamente apaixonante por causa de noites como ontem. Jogos incrivelmente esperados sĂ£o horrorosos, e os que nem se liga podem ser fabulosos. 

Racionalmente, Ă© observar um Flamengo que joga a 70% contra um Vasco que joga a 120% e dĂ¡ empate. É ver um time focado.no tĂ­tulo maior e que ainda tem larga gordura no brasileiro.

Mas ontem foi pra ficar na memĂ³ria. Pra nĂ£o esquecer a rivalidade local, pra nĂ£o esquecer que dinheiro e sĂ³ tĂ©cnica nĂ£o ganha jogo, pra nĂ£o esquecer o tamanho do rival. Pra nĂ£o esquecer que o respeito volta pelo campo, nĂ£o por boca de dirigente. Pra nĂ£o esquecer os gritos abjetos dos rivais, e principalmente o motivo desse grito. Pra nĂ£o esquecer o drama, a magia, a camisa, a bola e a festa. A essĂªncia do futebol

Jogo pra educar os que nada sabem, os que sabem pouco e aqueles que acham que sabem muito. 

Jogo tĂ£o bom que saĂ­ um pouco decepcionado, mas ainda assim estarrecido com o que tinha visto, e feliz por estar lĂ¡ pra ver. Por mais noites assim, por mais noites inesquecĂ­veis. Pros garotos, pra mim e pra mais de 60 milhões de torcedores.

Mas por favor, da prĂ³xima vez, façam o quinto gol.

No mais,
Saudações Rubro-negras

(Imagem: Paula Reis: Flamengo)

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