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Heroínas do futebol: Sissi #01

(Foto: Getty)
Quando a gente fala de futebol feminino brasileiro é impossível não pensar em Marta. Mas antes da chegada da Rainha, várias mulheres aqui no Brasil já lutavam para ser reconhecidas pelo seu futebol, por isso, o Linha de Fundo resolveu fazer uma série para homenagear grandes nomes do futebol feminino brasileiro, buscando trazer o reconhecimento que essas tanto almejavam. Para começar esta série, nada melhor que trazer aquela que foi considerada o maior nome do futebol feminino antes da Era Marta, Sisleide do Amor Lima, a nossa Sissi, a Imperatriz do Futebol Feminino.

Sissi nasceu no dia 2 de junho de 1967, quando o futebol feminino ainda era proibido por lei no Brasil (a lei vigorou até 1979) e ouviu a infância inteira do pai e do irmão que “esse negócio de jogar bola não era coisa de menina”, por isso, a sua primeira bola de futebol foi uma cabeça de boneca que ela arrancou para poder jogar. Ela aprendeu a dar os primeiros chutes sozinha e acabou aprendendo todo o resto jogando na rua com os meninos. Com 14 anos, somente 2 anos após a revogação da proibição, Sissi já jogava em times da cidade, como Campo Formoso e Senhor do Bonfim, logo, ela saiu de Esplanada-BA para morar em um alojamento e se “profissionalizar”. Foi no Flamengo de Feira de Santana que a meia deu seus primeiros passos rumo ao sucesso. Aos 18 anos, Sissi chegou ao Bahia para jogar futebol e futsal ao mesmo tempo. Foi aí que passou a ser notada e acabou indo para São Paulo, o estado que mudou completamente a sua vida. 

A meia jogou em vários clubes do estado, mas foi no São Paulo que ela ficou conhecida e viveu seu auge. Em 1997 ganhou o primeiro Campeonato Paulista da história. Com o destaque ganhado no time, a torcida abraçou a jogadora e gritava seu nome nas bancadas. “Ei Muricy, coloca a Sissi!” era o canto que a torcida São Paulina entoava em jogos do masculino, parecia que o reconhecimento que tanto almejava, havia chegado.

A imperatriz estava fadada a ser grande desde o seu início, mas quem pensa que o preconceito foi vivido unicamente na sua infância, se engana. A pioneira da camisa 10 na Seleção Brasileira, aquela que participou da primeira Seleção Feminina de Futebol da história do Brasil, em 1988, sofreu incontáveis rejeições logo após seu período de ouro no São Paulo e até hoje é esquecida em algumas homenagens. O motivo? Um corte de cabelo. Em 1999, após fazer parte de uma campanha histórica e de se tornar artilheira da Copa do Mundo, Sissi raspou a cabeça para cumprir sua promessa, ela havia prometido que rasparia caso o Brasil conseguisse ter um bom resultado. O terceiro lugar na Copa era um feito enorme, mas o ato de raspar a cabeça fez com que todos esquecessem o mesmo.
(Foto: Getty)
A jogadora percebeu que aquele ato mudou o tratamento que recebia, mas no ano seguinte acabou conhecendo alguém que a fez querer permanecer daquele jeito. Ela conheceu um menino, nos EUA, lugar que naquele momento jogava e vivia, ele sofria bullying na escola por ter câncer e ser careca, foi este o encontro que mudou a vida de Sissi, que resolveu se manter assim em homenagem a ele. Sissi resolveu enfrentar aqueles que não a aceitavam e em campo, na seleção, fazia com que eles se sentissem obrigados a aceitá-la. 

Sissi também passou a receber represálias, quase nunca a levavam para participar de entrevistas, só quando os próprios jornalistas a requisitavam. Ela não tinha papas na língua e falava a verdade que ninguém ouvir. Questionava o pouco reconhecimento, questionava ter que usar os uniformes que sobravam do masculino. Ela também já foi obrigada a ser mais feminina, teve de fazer uma sessão de fotos para uma revista onde foi obrigada a se maquiar, Sissi lembra desse dia como um dos piores de sua vida. Nunca mais tornou a aceitar convite que obrigasse ela a fazer isso novamente e, por isso, parou de ser convidada a estar na mídia. Todos queriam que as atletas de futebol feminino exalassem feminilidade e para ela, isso não fazia sentido. Ela queria ser reconhecida unicamente pelo seu futebol. Foi assim que começou a ser apagada da história do futebol feminino...

Em 2001 a atleta foi convidada a jogar de novo no Brasil, mas uma regra nova do Campeonato Paulista Feminino a fez repensar. É que o regulamento novo do Campeonato instituía a jogadora-objeto e a beleza era regra para participação. Parece surreal que isso tenha acontecido há menos de 20 anos, né? Mas ocorreu... e era proibido que as atletas tivessem cabelos curtos.
Encarte do folder do Campeonato em 2001.
Na época, o presidente da FPF, Eduardo José Farah deu uma entrevista falando sobre as regras do torneio, “temos que mostrar uma nova roupagem no futebol feminino, que está reprimido por causa do machismo. Temos que tentar unir a imagem do futebol à feminilidade”, disse o dirigente. Eduardo Arruda, jornalista, comentou sobre Sissi e ouviu do vice-presidente da entidade, Renato Duprat, “Aqui, com cabelo raspado não joga. Está no regulamento". Sissi entendeu que não precisava disso, mesmo que quisesse um reconhecimento maior no seu país, ela não precisava passar por isso. Estava escrevendo sua história em outro lugar, sendo reconhecida pelo que jogava e não por uma feminilidade que pudesse apresentar.

Hoje Sissi ainda vive nos EUA, país onde recebeu prêmios e reconhecimentos pelo que fez no futebol e atualmente é técnica de uma equipe de base. Aqui em terras tupiniquins, poucos ainda dão devido valor a quem fez o Brasil ser reconhecido pela primeira vez no futebol feminino. É que nosso país costuma esquecer suas heroínas e até mesmo diminuir seus feitos. Estamos acostumados a exaltar nossos heróis em morte e esquecê-los em vida. Mas ainda há tempo para mudar essa história.

Sissi era brilhante, extremamente técnica e inteligente com a bola nos pés, era a clássica camisa 10. Batia faltas, fazia gols, era unanimidade entre quem entendia. Até hoje é. Por isso que hoje encerro esse texto exaltando o futebol daquela que abriu as portas para a geração atual, que fez o pai enxergar que futebol era sim coisa de menina. Esta é nossa Sisleide do Amor Lima. Contemplem nossa Imperatriz. Contemplem Sissi.


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1 Comentários

  1. Eram 1200 meninas para seleção. Não houve favorecimento de ninguem, trabalhei no evento.

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